O progresso a reboque da Batalha das Linhas de Elvas

Passaram 361 anos, mas Elvas não esquece o combate que manteve a soberania nacional. Uma evocação histórica que é também uma oportunidade para desenvolver o comércio e o turismo. Uma demonstração de pujança que leva milhares de visitantes à cidade.

TEXTO JOSÉ BENTO AMARO IMAGEM DR

Numa cidade onde a cada passo, a cada vislumbre ou mesmo a cada conversa nos deparamos com a história, a arquitectura ou quaisquer outro tipo de vestígios castrenses, difícil seria que o feriado municipal não assinala-se igualmente um acontecimento militar. Faz hoje, dia 14 de janeiro, 361 anos que teve lugar a Batalha das Linhas de Elvas. Um marco importante na vida da cidade fronteiriça. Um golpe decisivo na Guerra da Restauração. Um acontecimento determinante na manutenção da soberania nacional.

A Câmara Municipal de Elvas não deixa esmorecer as recordações tão distantes, mas ao mesmo tempo, determinantes na histórica e tem dedicado todo o mês de janeiro às celebrações. Não são apenas as homenagens militares que preenchem o cartaz, antes existindo uma vasta panóplia de atividades apostadas em trazer à “cidade guerreira” mais uma multidão de nacionais e estrangeiros, ou não fosse a promoção do turismo e a sua exploração um dos principais pólos de desenvolvimento.

A cultura, o desporto, as cerimónias religiosas completam um “cardápio” que faz da cidade alentejana um dos mais apetecidos destinos, mesmo que, como é o caso, se esteja em pleno inverno, com o frio supostamente a convidar mais para a lareira do que para a rua. Mas, também nesse aspeto, Elvas merece ser visitada, pois que se a oferta hoteleira é vasta e de qualidade, a degustação da rica gastronomia local e a variada animação pelas artérias não são de deixar ninguém indiferente.

Tudo se inicia hoje, logo pela manhã, com o hastear das bandeiras nos Paços do Concelho. Pelas 10h30 homenageiam-se os mortos da épica batalha iniciada em 1658, havendo lugar a uma romagem ao túmulo do general André de Albuquerque Riba-Fria, no Convento de São Francisco. Pouco depois, pelas 11h00, iniciam-se as cerimónias militares e militarizadas na Praça da República, seguindo-se o desfile das forças em parada pela Rua da Cadeia.

A vertente cultural das comemorações começa com a exposição “2012-2020”, a qual exibe obras diversas da Colecção António Cachola. Esta mostra, que irá ficar patente no museu municipal com trabalhos diversos de vários autores nacionais, será inaugurada no dia 18 e prolonga-se durante todo o ano.

“Pirouette” é o nome do evento desportivo que a Federação de Ginástica de Portugal e o Comité Olímpico levam à cidade a partir das 21h00 do dia 25, no Coliseu Comendador Rondão de Almeida.

Momento de grande destaque em todas as celebrações será aquele que irá decorrer, entre 30 de janeiro e 2 de fevereiro, no Centro de Negócios Transfronteiriço, onde decorrerá a primeira edição da Expo Alentejo. Ali se aliam as acções culturais e tradicionais, a gastronomia e o artesanato, o folclore e a etnografia, as modernas e mais antigas técnicas agrícolas, a oferta turística e as indústrias tradicionais que se afiguram como potenciais catalisadores de investimento.

A grande batalha que exulta a independência

Na génese de tão grandes e variados festejos está, no entanto, uma imensa batalha ocorrida há 361 anos. A Batalha das Linhas de Elvas, que permitiu a Portugal manter a independência e que se revelou como uma das mais sangrentas alguma vez travada em território nacional, com 700 a 800 portugueses e mais de 5.000 castelhanos a perderem a vida.

Viajamos pela História através da narrativa do diretor do departamento de Cultura da Câmara de Elvas, Rui Jesuíno. “Espanha estava convicta que a conquista de Portugal era inevitável e até fácil, pelo que os seus governantes optaram, numa primeira fase, para dirigir esforços para o triunfo militar na Catalunha. Tal facto deu oportunidade ao rei português, D. João IV, de preparar as tropas para suster uma invasão e até para atacar”.

Foi precisamente através de um ataque português, em outubro de 1958, à vizinha cidade de Badajoz que tudo se iniciou. Os portugueses situaram a cidade espanhola mas não lograram a sua capitulação. Já cansado e sofrendo os efeitos das deserções, o exército português recolha a Elvas, tanto mais que de Madrid já acudia um forte contingente militar adversário. Nessa ocasião, com as tropas nacionais protegidas pelo maior conjunto de muralhas abaluartadas da Europa, os comandantes inimigos têm de decidir se contornam a cidade portuguesa e avançam pelo Norte ou pelo Sul até Lisboa, submetendo as poucas e poucas expressivas defesas nacionais que se encontravam no caminho ou, em alternativa, esmagavam definitivamente o grande bastião militar elvense. Optaram, e pelos vistos mal, pela ultima possibilidade.

“O cerco de Elvas foi feito através de duas linhas (daí o nome de Batalha das Linhas de Elvas), uma de contravalação, destinada a impedir a saída dos sitiados, e uma circunvalação, para tentar suster o auxílio vindo do exterior a quem estava cercado”, explica ao Semmais Digital Rui Jesuíno, lembrando que no final de 1659, quando na cidade já havia muita fome, alastravam as doenças e eram incontáveis os bombardeamentos dos espanhóis, “chegavam a morrer 300 pessoas por dia”.

Desesperados, os portugueses tentam uma derradeira cartada para escaparem à derrota. Um grupo de tropas, a coberto da noite, consegue sair da cidade e passar as linhas dos sitiantes. É assim que pouco depois, em Lisboa, a rainha D. Luísa de Gusmão (então já regente do Reino em consequência da morte de D. João IV) é avisada da quase capitulação do único aquartelamento que pode impedir o avanço do exército inimigo até à capital.

Em Estremoz, por ordem da regente (por sinal nascida em Espanha), forma-se um exército de socorro. São mais de 10.000 almas recrutadas pelo Alentejo, a maior parte sem qualquer formação militar. Cada um veste o que tem e arma-se com o que consegue deitar mão. A 13 de Janeiro já a força portuguesa se encontra em Vila Boím e, apesar do inimigo ser em número superior (cerca de 15.000 soldados), parece existir uma vantagem psicológica que impele os portugueses, a coberto da noite e da névoa, para uma retumbante e histórica vitória. Elvas rejubila e Portugal inteiro festeja o triunfo que o mantém independente.

À boa maneira dos filmes épicos, também a Batalha das Linhas de Elvas deixa uma marca indelével, um herói: o general André de Albuquerque Riba-Fria acaba por morrer atingido pelo disparo de um artilheiro castelhano. Desde então não mais deixou de ser recordado, havendo registo, segundo Rui Jesuíno, de evocações anuais do seu nome do triunfo português.

Duas cidades com muito mais paz do que guerra

Elvas e Badajoz distam cerca de 20 quilómetros. São, desde que à memória dos desejos independentistas de Portugal, cidades rivais, porque ambas são formidáveis bastiões militares, e ambas viveram grandes conflitos.

A rivalidade entre as duas cidades é algo que hoje, segundo refere o técnico municipal que nos conduziu por este troço da História, não tem as proporções de outrora. “Actualmente há portugueses a viver em Badajoz e pacenses (nome dado aos naturais da cidade espanhola) que residem em Elvas. Celebram-se casamentos entre pessoas dos dois lados da fronteira, assim como se fazem negócios, visitas, etc. A verdade é que apesar dos confrontos históricos, os tempos de paz entre as duas cidades foram sempre mais e mais duradouros do que os tempos de guerra”, lembra Rui Jesuíno.

O contrabando entre as populações da raia ou a ajuda que alguns portugueses dispensavam aos espanhóis que tentavam fugir à morte durante a guerra civil de Espanha são apenas alguns dos exemplos da colaboração que se estabeleceu.

Para se ter uma ideia ainda mais vincada das relações de cordialidade que se estabeleceram entre portugueses e espanhóis basta recordar, segundo o perito municipal da cidade portuguesa, que no século XIX existiam em pleno centro histórico de Elvas, quatro ruas onde quase só habitavam espanhóis e… italianos. “Os espanhóis eram, na sua maioria, padeiros. Os italianos faziam e vendiam gelados”.