A coesão no acesso ao ensino superior

“A concretizarem-se os cortes no orçamento da UE para as políticas da coesão (…) quais as implicações para a área da inovação e conhecimento; ou qualificação, formação e emprego?”

 Os últimos meses têm sido férteis na observação de pequenas grandes coisas que me vão despertando curiosidade(s). Não! Não me refiro às 163 “Pequenas Grandes Coisas” para alcançar a excelência, de Tom Peters (2011). Os livros de receitas não me inspiram. Sim, inspiram-me as pequenas grandes coisas que vou lendo, observando e percecionando a partir da minha subjetiva relação com o Alentejo.

Umas das pequenas grandes coisas que observei nas últimas semanas, e que esteve na base desta crónica de opinião, foi sem dúvida a Cimeira dos “Amigos da Coesão” da União Europeia (UE), na cidade de Beja. Não me pareceu um pormenor ser em Beja. Está em causa a possibilidade de cortes no orçamento plurianual da UE numa área fundamental para o Alentejo – as políticas de coesão pós 2020. Se confrontarmos esta possibilidade com o conteúdo do documento relativo ao Contributo Regional Para a Estratégia Nacional 2030 (2018)[1], é preocupante! Como operacionalizar a estratégia regional?

A concretizarem-se os cortes no orçamento da UE para as políticas da coesão, e dando apenas atenção às áreas que acompanho com mais atenção, quais as implicações para a área da inovação e conhecimento; ou qualificação, formação e emprego? É preocupante, pois poderão estar em causa os níveis e a capacidade de financiamento às instituições de I&D regionais, tal como à formação do ensino básico ao ensino superior, incluindo o ensino profissional e os cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTESP).

Desde 2014 que acompanho com atenção a afirmação dos CTESP no Ensino Superior Politécnico, e a importância destes cursos para as dinâmicas sociais, económicas e culturais das cidades que os acolhem. Por ser um exemplo que me é próximo, não é difícil perceber o impacto dos 17 CTESP, e dos cerca de 400 alunos na cidade de Beja. E, não menos importante, as medidas de apoio financeiro, como o programa +Superior, para que estudantes residentes em concelhos do litoral se desloquem para estudar no interior. São centenas os estudantes que têm beneficiado deste programa. Teremos condições para manter estes apoios com os cortes financeiros em discussão na UE?

E voltando às pequenas grandes coisas… Acompanho com interesse e expectativa um tema que voltou a ser notícia nos últimos dias. A possibilidade dos alunos do ensino profissional e artístico passarem a ter um “acesso especial ao ensino superior”. Entenda-se, terem acesso direto às licenciaturas em funcionamento tanto nos politécnicos como nas universidades. Por princípio, sou de opinião favorável, pois a opção pelo ensino profissional não pode limitar o prosseguimento de estudos. As IES terão a capacidade de organizar provas exigentes e garantir equidade no acesso. Agora, o porquê de voltarmos nesta altura a discutir esta hipótese?

Os CTESP, com dois anos de duração, e só com funcionamento no Ensino Superior Politécnico (ou em universidades que tenham o subsistema, como é o caso da Universidade do Algarve), têm sido uma oportunidade de qualificação técnica e profissional para os jovens do ensino profissional que desejam prosseguir estudos, já no ensino superior. Agora, qual será o impacto de um “acesso especial” às licenciaturas, tanto das universidades como dos politécnicos? É fácil prever que muitos dos alunos do ensino profissional que agora ingressam nos CTESP – nos politécnicos – passem a entrar diretamente para as licenciaturas dos politécnicos, mas também das universidades.

Relacionando estas pequenas grandes alterações: será que o corte do orçamento plurianual da UE para as políticas de coesão poderá criar dificuldades ao financiamento dos CTESP? Será que esse corte conjugado – ou associado – com a alteração do acesso dos alunos do ensino profissional ao ES poderá conduzir a uma redução dos CTESP em funcionamento e à consequente redução dos alunos que se deslocam do litoral para o interior? Espero, desejo estar enganado nas respostas que antecipo… temo que o tempo a alocar à investigação e inovação no Ensino Superior Politécnico, no quadro do Horizon Europe, nos próximos anos tenha que ser alocado a resolver este problema iminente. Desejo estar errado!

[1] CCDRA (2018). Alentejo 2030 – Desafiar o Futuro: Contributo Regional para a Estratégia Nacional Portugal 2030.

Aldo Passarinho
Professor Instituto Politécnico de Beja