É impressionante a generosidade desta primavera florida acompanhada pelo exotismo do canto do Mainá-de-crista no topo do um coreto que teima em entrelaçar-se com os meus pensamentos sobre as dificuldades que neste momento enfrentam milhares de artistas e profissionais das artes. Ecoa em mim o manifesto “SOS arte.pt”.
Há muito que os coretos, tal como os palcos do teatro, deixaram de ser o espaço de separação dos artistas, dos interpretes e dos performers com o público, estando tantas vezes os espectadores em cima do palco e os artistas performers na sala ou nas ruas, como nos diz Jacques Rancière “…suprimindo essa diferença entre o palco e a sala, deslocando a performance para outros lugares, identificando a performance com a apropriação da rua, da cidade da vida.” (2010). É esse o atual lugar das artes na construção do espaço coletivo e comunitário do qual não podemos abdicar, claudicando ao medo de um vírus que virou as nossas vidas do avesso.
Nos últimos anos assistimos a uma apropriação coletiva dos espaços públicos das ruas, das cidades, onde de forma crescente e com apoios públicos e privados à produção, nos fomos habituando à partilha do espaço sensível das nossas cidades, vilas e aldeias. Naturalmente, penso que é necessário temporizar para que esse movimento dos corpos e dos afetos volte sem restrições à construção comunitária e sociocultural que as artes nos permitem. Até lá, é necessário reafirmar a necessidade de soluções para que artistas e profissionais do setor criativo ultrapassem as dificuldades que enfrentam neste momento. Dramáticas!
A solução estrutural não será retomar o “distanciamento da cultura no alto do coreto”. No entanto, temporariamente, conforme conversava há dias com um amigo, podemos pensar em possibilidades criativas e inovadoras para retomarmos as atividades culturais. Aliás, a conversa resultou da análise de uma proposta, na área da produção de espetáculos, apresentada a várias autarquias do Alentejo para que estas, assim que possível, considerassem hipóteses inovadoras para retomarem a programação de eventos culturais, redimensionados e com as necessárias condições de distanciamento. Sei que a proposta está em análise.
Ao lermos o manifesto “SOS artes.pt “percebemos que é necessário ir mais além no apoio aos diferentes subsetores das artes. O Estado tem uma responsabilidade central! Mas justifica-se insistir no entrelaçamento da cultura com outros setores de atividade económica, como a Fundação Eugénio de Almeida fez com a street art do Pantónio; ou a Renova está a fazer no apoio à criação de músicas coreografadas. Vamos esperar que estes exemplos se multipliquem.
Rancière, J. (2010). O Espectador Emancipado. Orfeu Negro.
Aldo Passarinho
Professor Instituto Politécnico de Beja