A questão que aqui queremos discutir está ligada com o uso e abuso que se faz do conceito de Estado de Direito em torno dos múltiplos problemas criados dentro da Democracia em Portugal. Esta questão é tão relevante no plano nacional, como no plano local.
Existe uma ideia, profusamente cultivada por políticos e outros de que o Estado de Direito é o único fundamento válido da Democracia. Por isso, colocar em causa o Estado de Direito é estar contra a Democracia.
A ideia é simples: pode-se dar cabo de tudo o resto,… Mas o Estado de Direito! Esse, … é intocável.
Esta argumentação, que é repetida até à exaustão nas mais diversas circunstâncias parece-nos errada. E dado que é um dos alicerces do regime político desde 1974, é uma das principais causas do estado em que se encontra a Democracia em Portugal, com afastamento das pessoas da vida política; o surgimento de uma classe de políticos que são na sua grande maioria pessoas medíocres e sem competências outras que não as que lhes permitem manter-se no círculo político próximo.
Seguramente que as pessoas que idealizaram os contornos do regime democrático em Portugal não esperam que o resultado ao fim de duas gerações fosse aquele que é; nem que a noção de Estado de Direito fosse usada para justificar as práticas menos legais e dos abusos de que tanto se houve falar.
Ao amputarem o regime político de pilar centrado sobre a ideia de cidadania, tão relevante para a ideia de Democracia como a do Estado de Direito, os fundadores do regime democrático abriram o caminho à autocracia política e fecharam as vias para a participação cívica.
O problema que os portugueses parecem enfrentar hoje, dentro do regime democrático está ligado ao facto de cada vez eles contarem menos para a Política e para os políticos. Os portugueses, somos, de um modo geral, considerados pelos políticos com gente estúpida, que não compreendemos os contornos do Estado de Direito, que, deste modo, é o pilar da democracia que mais é utilizado para os ostracizar.
Na próxima crónica demonstraremos, com apoio nas teses desenvolvidas pelo filósofo francês Paul Ricoeur que existe em Portugal um problema que resulta do facto de os fundadores do regime democrático não terem percebido que centrar o regime sobre uma ideia hegemónica: a do Estado de Direito era insuficiente para assegurar a sua permanência e que teria sido necessário dar às pessoas um outro papel no regime político, pelo menos igual aquele que elas já tinham na sociedade.
Estêvão de Moura
Empresário / Ph.D. Gestão Univ. Lisboa