O edil está muito animado com o megaprojeto do hidrogénio verde e está apostado em vincar a centralidade e a importância do concelho e do seu porto nos vários palcos territoriais. Internamente, diz estar a cumprir uma carteira de investimento de que não há memória.
Governo e a autarquia apostam muito no megaprojeto de hidrogénio verde. Quais são as expetativas?
É um projeto industrial de grande escala e que visa a criação de uma nova economia em torno do hidrogénio. Se queremos chegar à neutralidade carbónica em 2050, a Estratégia Nacional do Hidrogénio (ENH) é fundamental para a obtenção desse objetivo. Até 2030 é necessária uma redução das emissões entre 45% e 55% em relação a 2005. São metas exigentes e por isso foi necessário o encerramento da Central Termoelétrica de Sines, responsável por 13% das emissões nacionais. Não tenho dúvidas que será um projeto âncora para Sines, que estará no centro desta estratégia que tem um investimento global de 9 mil milhões de euros.
O projeto é importante também ao nível do emprego, tem ideia da dimensão esperada a este nível?
Os dados de que dispomos são os que constam na ENH, que esteve em discussão pública e já foi publicada em Diário da República. O cluster pode criar 12 mil novos empregos. Para Sines é importante que este projeto venha a absorver a mão de obra qualificada que aqui existe, e que tem conhecimento residente na área da energia, mas que contribua também para a fixação de novos recursos humanos em toda a região. Estamos empenhados para que, entre o Governo, o IEFP, a câmara municipal e os sindicatos, se possa também desenhar uma estratégia que permita a reconversão de trabalhadores da Central Termoelétrica para esta indústria.
Com esse e outros investimentos, Sines pode ganhar ainda mais impacto industrial…
Exatamente, o que está a acontecer em Sines é uma nova vaga de investimento industrial. Há uma nova geração de investimentos relacionados com as energias renováveis, os quais, aliás, vão muito além daquilo que é a capacidade de acomodação do concelho. Ao contrário do eólico, seguramente que não teremos capacidade para absorver todas as intenções de instalação de projetos solares que nos têm chegado.
É assim tão vasta e diversificada a carteira de intenções?
O melhor exemplo disso é a entrada em Sines do primeiro cabo submarino que liga o Brasil diretamente à Europa. Esse projeto, financiado pela Comissão Europeia e que reúne as redes de investigação e desenvolvimento da América Latina e da Europa, que representa um investimento superior a 170 milhões de euros, colocou Sines na rota das grandes empresas tecnológicas mundiais. Os setores dos centros de dados e do fornecimento de serviços de comunicações, bem como da investigação tecnológica e científica, estão hoje de olhos postos em Sines. Mais, Sines pode vir a estar também no centro nevrálgico das comunicações internet nacionais, a infraestrutura que o consórcio Ellalink instalará em Sines poderá vir a ser fundamental num futuro próximo para a consolidação da nossa rede atlântica. Todavia, esta não é a única via, o espaço ocupado pelo carvão no porto de Sines, pode vir a ser ocupado por outro tipo de cargas que irão diversificar a oferta daquele porto.
Não vê nenhuma preocupação associada a esse modelo, nomeadamente as questões ambientais…
Atualmente nenhum projeto de grande dimensão fica de fora das avaliações de impacto ambiental legalmente previstas. A câmara, que não tem competência direta nessa matéria, nunca se escusa a participar ativamente nessas discussões públicas, elencando todas as questões que se podem colocar do ponto de vista da sustentabilidade. No caso do hidrogénio, é ainda preciso termos a noção de que este investimento visa, juntamente, o alívio ambiental que a descarbonização da economia permite.
Pode sintetizar o perfil de desenvolvimento estratégico que defende para o município na próxima década…
Baseia-se numa lógica de relação com a região Alentejo e com a Área Metropolitana de Lisboa, com o objetivo central de transformar Sines num município cosmopolita, solidário, competitivo e internacional. Essa estratégia tem passado pela atração de capital social, industrial e turístico, ao mesmo tempo que preservamos os valores ambientais, paisagísticos e patrimoniais que constituem uma das tónicas fundamentais desta estratégia.
Estamos a falar de um conjunto de investimentos que se concretizarão na próxima década e que terão impactos por muitos e muitos anos. A câmara tem de complementar esta dinâmica com políticas setoriais, desde a educação, a ação social, a habitação, a realização de obras municipais e de regeneração urbana. Conseguimos um aproveitamento muito feliz do Portugal 2020.
Já fez todas essas contas, como estamos em termos de contratualização?
Temos um compromisso de mais de 100% das verbas contratualizadas com as autoridades de gestão, o que quer dizer que temos mais investimento que fundos comunitários disponíveis. Mas cumprimos a regra da adicionalidade, ou seja, não fizemos os investimentos pelo facto de haver fundos comunitários disponíveis, fizemo-los porque acreditamos na sua utilidade para o serviço público e porque os tínhamos planeado nos nossos instrumentos programáticos. Neste aspeto é importante referir que existe uma área na qual temos enorme défice de financiamento e onde era preciso rever os modelos de apoio comunitário: sistemas de distribuição de água e saneamento. As infraestruturas são antigas, estão a ceder constantemente e, por razões que me parecem ser mero preconceito, as regras para acesso aos fundos privilegiaram os sistemas em alta, que hoje são controlados por privados, do grupo Águas de Portugal, em detrimento dos sistemas municipais e em baixa, de distribuição ao consumidor final. Esta é uma política de coesão que merece uma maior reflexão, se possível ainda neste quadro comunitário, o mais tardar no próximo.
E em termos de infraestruturas, as ferroviárias nomeadamente, o que podem dinamizar num futuro próximo?
Neste domínio foi com muita satisfação que vimos o lançamento do concurso para a modernização do troço Sines – Ermidas Sado, que é essencial para o futuro do porto de Sines. É um investimento de mais de 33 milhões de euros e que integra o novo traçado até Elvas e daí para Badajoz e Madrid. Reduz tempo e distância entre o porto e o maior centro de consumo ibérico, aumentando o conjunto da eficiência logística para a Europa. A competitividade de um porto joga-se no mar, mas também em terra. É sabido que este foi um investimento que foi sendo sucessivamente adiado, mas finalmente está no terreno e é, neste momento, a solução possível. No entanto, é público que defendo um traçado mais direto à linha do Sul e que seja ainda mais competitivo para a carga e que ao mesmo tempo tenha uma componente de passageiros.
A rodovia também tem problemas, quais identifica?
Também no caso da rodovia são precisos investimentos urgentes. A ligação do porto de Sines à A2 em perfil de autoestrada, tem que ser concluída, este é um investimento acerca do qual aguardamos um compromisso forte do Governo.
Já aflorou a necessidade de fixação de quadros jovens. É um apelo ou intenção política?
É mais que uma intenção, é um objetivo e uma ambição. Repare, os investimentos que se têm operado no concelho ao longo dos últimos 20 anos não se traduziram num aumento significativo da população local. Cresce o número de postos de trabalho disponíveis, mas a população não se fixa aqui, porquê? Se entram em Sines mais de 5 mil trabalhadores por dia. Em grande medida porque a oferta de habitação não tem sido favorável para a fixação de jovens e de famílias de uma parte da classe média portuguesa. A Estratégia Local de Habitação que estamos a finalizar identifica bem esse problema e é importante que possamos contribuir para a sua resolução. Por isso estamos a preparar alguns processos de hasta pública para que os interessados em promover habitação destinada a essa camada da população possam desenvolver os seus projetos. Os jovens quadros são necessários à nossa massa crítica regional, mas são muito necessários em Sines, à sua sociedade civil.
O concelho, nas suas diversas valências, está preparado para fixar essas famílias?
Temos feito um esforço muito grande para a qualificação do concelho. As áreas do desporto e da cultura são bem o exemplo disso. Para isso, devo dizer, é fundamental o contributo das nossas associações e coletividades que têm feito um trabalho magnífico e que apoiamos o mais possível. Do ponto de vista do desporto, em 2019, tivemos as provas mais importantes das principais modalidades em pavilhão: futsal, andebol, basquetebol, voleibol, patinagem artística, etc. Também a programação cultural vem sendo muito reforçada. Ao nível das exposições temos atraído algumas das mais relevantes, na sequência de protocolos com entidades, como a Culturgest, Fundação Gulbenkian, Fundação Serralves, entre outras. Ainda este ano vamos receber a Coleção Cachola. Não é comum um município que não se situa numa grande área metropolitana e que não é capital de distrito ter uma programação tão intensa e sempre de topo. Faz parte dessa estratégia de qualificação do concelho, da notoriedade que sabemos que Sines tem e que é um fator de atratividade para novos residentes, para turistas e para visitantes. Já para não falar dos fortes investimentos que temos feito na área da educação.
Podemos considerar este esforço de dotar o concelho de mais qualidade de vida como um trunfo?
Claro! Quando chegámos à câmara em 2013 percebemos, de imediato, que precisávamos de alterar a política de investimentos. Precisávamos de resolver o problema da dívida, o que nos levou à necessidade de planeamento e priorização dos investimentos. Durante os primeiros anos investimos todas as nossas energias no planeamento e na elaboração de projetos. Foi isso que nos permitiu captar tão eficientemente financiamentos comunitários. Do ponto de vista do desenvolvimento urbano estamos a fazer intervenções estruturantes, como a Rua Marquês de Pombal, que está em execução, como a Praça da República, que esperamos que se inicie ainda este ano, entre muitas outras; projetos que envolvem no seu conjunto intervenções que ultrapassam os 20 milhões de euros.
Como vê Sines no panorama do desenvolvimento regional?
Sines desempenha papéis regionais importantes, múltiplos, e que se têm reforçado nos últimos anos. É um concelho cujas características exigem que tenha, antes de mais, um posicionamento flexível e em geometria variável. Embora muitos governantes ainda não tenham entendido, a importância estratégica de Sines é fundamental para o país. Isso não é motivo de nenhuma vaidade, é antes de mais algo que nos responsabiliza muito. Esse é um exercício que nunca nenhum presidente da câmara de Sines pode deixar de fazer: o de pensar, todos os dias, que este concelho é estratégico para o país e que o seu papel é, naturalmente, o de defender o concelho, a sua população, o desenvolvimento sustentável e trabalhar para a coesão económica e social. Mas deve pensar também que temos um papel que vai além do nosso espaço territorial em concreto, o que só se resolve pela coesão territorial.
E o que quer isso dizer?
É pensar em Sines e no seu conjunto, nos papéis que tem no Alentejo, para a área metropolitana, para a Península Ibérica, para as rotas marítimas mundiais. Sem nenhum deslumbramento, antes com um forte sentido de adesão à realidade.
Conhece os movimentos alinhados do Baixo Alentejo que reivindicam parte do litoral alentejano, sobretudo Sines, para a sua esfera orgânica. Concorda?
Existiu sempre muita inquietação em relação às divisões territoriais do país. O Alentejo, por acaso, é uma das NUTS II que tem um Plano Regional de Ordenamento do Território, que sistematiza muito bem a funcionalidade regional. Não vejo nenhuma vantagem em se levantar uma questão que sabemos não é suscetível de gerar consensos.
Não haveria nada a ganhar nessa alteração potencial?
O Alentejo Litoral é uma sub-região com personalidade, tem uma identidade própria. A Associação de Municípios do Litoral Alentejano, que deu lugar à atual CIMAL – Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral, foi fundada em 1989. Estes cinco municípios – Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines – têm uma enorme tradição de trabalhar em conjunto, de partilha, de consensualização. As diferenças políticas são, muito naturalmente, ultrapassadas. Isso também é um fator de coesão territorial. Eu, pessoalmente, não consigo encontrar nenhuma vantagem para o Alentejo Litoral nessa proposta, nem do ponto de vista territorial nem do ponto de vista político.
Consegue identificar os principais problemas que esta sub-região enfrenta ou ainda vai enfrentar nos próximos anos?
Neste momento ainda temos dificuldades nas acessibilidades, quer rodo quer ferroviárias. Já as referi, mas acrescento ainda a fraca oferta na ferrovia de passageiros. Tem de ser repensada, a nossa proximidade a Lisboa e ao Algarve não pode traduzir-se na ausência de transportes públicos. Temos um grande desafio no que respeita à mão de obra e no que isso vem significando, nomeadamente ao nível do trabalho migrante. É preciso criar condições para a fixação de população nesta região. Do ponto de vista da saúde, mantemos as dificuldades que são conhecidas e que, em grande medida, se devem à dificuldade em trazer pessoal especializado para fora dos grandes centros hospitalares. Creio que esta situação da pandemia pode ter alterado a perceção das pessoas sobre as vantagens de se viver fora das grandes metrópoles. Haja disponibilidade para implementar políticas públicas que facilitem a mobilidade de quem queria instalar-se fora dos grandes centros, mesmo que isso possa afrontar certos lobby´s. Os municípios, com certeza, estarão disponíveis para o efeito.
“O que fizemos vai muito para além deste mandato”
Como sintetizaria este seu mandato?
Como um mandato muito desafiante. Neste momento estamos a ver os frutos do planeamento e isso é muito gratificante. Esta situação da pandemia criou aqui um hiato, precisamos todos de reinventar o presente e o futuro. A crise que ficará será muito diferente daquela que vivemos em 2008/2009 e que se prolongou nos anos seguintes e que deixou, aliás, marcas significativas na gestão autárquica no início do 1º mandato. É preciso pensar em novos modelos para a ultrapassar. Este mandato ficará marcado por isso, pela necessidade de fazer tudo o que se fazia, mas de forma diferente. E a pensar nas pessoas. A gestão autárquica teve sempre o foco muito direcionado para as pessoas, mas hoje é ainda mais urgente centrar as políticas públicas no munícipe, em cada munícipe e no conjunto de todos.
Quais foram os principais constrangimentos?
A dívida, e os efeitos conjugados com as medidas tomadas no período da troika. Foram um enorme constrangimento, e ao mesmo tempo um enorme desafio. Entre 2013 e 2019 reduzimos a dívida em 6 milhões de euros. Foi uma contração de 30%. Isso permitiu-nos relançar os investimentos municipais e aliviar as empresas locais que eram credoras do município. Foram anos de gestão muito exigente. Mas a gestão municipal é sempre muito apaixonante e, sobretudo, muito desafiante. Estamos muito próximos dos problemas das pessoas, isso faz-nos pensar não em termos de constrangimentos, mas antes de desafios. Os constrangimentos têm mais a ver com circunstâncias políticas.
O que falta fazer até fim deste ciclo?
Terminar estas obras e garantir a localização dos principais investimentos, preparar o novo ciclo de investimentos. O Plano de Recuperação Económica e Social do Governo, em cuja apresentação tive a oportunidade de estar presente, contempla desafios muito interessantes para Sines.
Está disposto à recandidatura?
Estou e estarei sempre disponível para trabalhar para a minha terra. Seja neste, ou noutro cargo. Mas, ainda não é o timing para as estruturas locais tratarem dos processos autárquicos.
Como gostaria de deixar o concelho após a sua liderança?
Apesar de ainda faltar mais de um ano de mandato, fica-se sempre com a sensação de que ficou muita coisa por fazer. Mas a minha sensação, desse ponto de vista, é ter a consciência que tenho feito tudo o que era possível fazer em cada momento. Aliás, continuamos a trabalhar com o objetivo de concretizar projetos que vão muito para além deste mandato autárquico.
Caixa
Obra a obra em nome da regeneração urbana
Para além das apostas estruturantes na regeneração urbana do concelho, a autarquia tem em curso a criação de uma rota do património, desde o Castelo às Fábricas Romanas e ao Museu, passando pela requalificação do Centro Recreativo Sineense até à Rua Vasco da Gama, Igreja das Salas, Observatório do Mar e Parque Arqueológico Subaquático. “É um percurso pelo centro da cidade, por equipamentos culturais que conta uma parte muito significativa da nossa história”, diz Nuno Mascarenhas. De referir também a construção, já no terreno, do Centro Dia de Porto Covo, que vem dar resposta social a uma necessidade da Freguesia. A obra da Sociedade Polis da Praia da Ilha do Pessegueiro, em curso, veio reordenar o estacionamento, garantindo um enquadramento favorável ao forte. “Mas não posso deixar igualmente de referir, os projetos que visam melhorar a capacidade do município em atrair empresas. Estamos prestes a iniciar as obras de expansão na ZIL 2, criando mais de quatro dezenas de lotes para a instalação de novas empresas, e que a empreitada de qualificação das artérias principais daquela zona industrial está em fase de análise de propostas”, explica o edil. Neste caso, são mais de 6 milhões de euros de investimento na principal zona de localização empresarial sobre a qual o município tem a responsabilidade da gestão.