A tese que é defendida nesta crónica é a de que a não diferenciação entre os direitos genéricos que são atribuídos aos cidadãos em democracia, dos direitos específicos que resultam do facto de a Democracia ser por definição o poder do Povo e este as Pessoas está a bloquear a sociedade portuguesa em geral.
Ao desviarem o epicentro da Democracia para o Estado de direito democrático, ou seja para as Leis e seus derivados, os pais fundadores da democracia coarctaram, de forma deliberada a possibilidade de serem criadas instituições e formas de representação dos cidadãos, com impacto na organização societária. Ou seja, bloquearam a cidadania.
Quando se procura, na Constituição Portuguesa, que foi onde os pais fundadores da democracia estabeleceram as linhas de organização da Democracia, que importância é dada aos cidadãos e à cidadania, verificamos que os cidadãos aparecem na Constituição como justificativo de uma qualquer acção 84 vezes. Já a cidadania, também a títulos diversos, aparecer apenas seis vezes – e esta é maioritariamente vista não como um direito dos cidadãos a expressar a sua vontade, mas apenas como o direito a ser português.
Num artigo publicado na revista Autres Temps, em 1985, intitulado Éthique et Politique o filósofo francês Paul Ricoeur demonstrou que a evolução das sociedades socialistas derivou, em larga medida do facto de os marxistas terem subordinado integralmente a política à economia. “Esta redução do político ao económico, escreve Paul Ricoeur, é responsável marcado desinteresse dos pensadores marxistas pelos problemas específicos colocados pelo exercício do poder.” (o artigo pode ser consultado em https://www.persee.fr/doc/chris_0753-2776_1985_num_5_1_1000)
Com a actuação dos políticos em Portugal passa-se exactamente o mesmo: a redução dos problemas do país a um quadro legal sobrevalorizado faz esquecer que existe uma outra dimensão: que é a das pessoas à qual é necessário dar representatividade e o direito a expressar-se com consequências.
A ideia de que são as leis e os regulamentos que fazem a democracia é uma ideia perigosa. O regime democrático está cheio de más leis, de leis feitas a pedido, de leis que nunca serão aplicadas, de leis que não servem para nada.
Este dilema é particularmente sentido nas regiões do interior de Portugal, onde a ausência de acções de cidadania activa, tende a agravar e não a solucionar os problemas sentidos pelas pessoas. É um problema sem solução á vista. É um problema á espera de uma solução.
Estêvão de Moura
Empresário / Ph.D. Gestão Univ. Lisboa