Os fundos e as maldições da região

A região de Setúbal tem tudo para ser feliz, mas também tem as suas maldições, que encurtam, aqui e ali, o seu crescimento.

A mais recente tem a ver com os fundos comunitários desde que o Terreiro do Paço se lembrou de a considerar uma zona rica, a par e em igualdade de circunstância com a Grande Lisboa. Com este desfecho administrativo, a península de Setúbal – nomeadamente, aquela que acolhe a parte substantiva da população urbana – tem perdido, a cada Quatro Comunitário de Apoio, 2 mil milhões de euros.

Antes a anátema dos estigmas sociais, criados – se bem nos lembramos – por via de uma solidariedade territorial no pós Abril de 74, quando a região recebeu de braços abertos dezenas de milhar de conterrâneos oriundos das ex-colónias. É um processo em curso, com altos e baixos, complexo, mas a caminho de ser dissipado.

Para não falar dos inúmeros investimentos públicos, verdadeiramente estratégicos, anunciados com pompa e circunstância, e que nunca saíram do papel, a par de outros que vão ficando pelo caminho, por culpas divididas, do Estado central e da própria região.

Dá ideia de que a sorte é madrasta para esta região que, mesmo assim, por forças endógenas, cresce, desenvolve-se e até, em muitas áreas, dá cartas por esse mundo fora. É uma sina, mas também um sinal de resiliência.

Ocorre-me falar em redor desta perceção a propósito dos fundos que o país vai gerir no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência. São fundos extraordinários que, se a região se puser a jeito, serão mais uma vez aplicados somente em outras partes do país. Não é aceitável.

Mesmo que isso nos custe aceitar, a nossa região é a mais pobre da Área Metropolitana de Lisboa, pelo que merece uma atenção extraordinária. Por outro lado, não podemos nunca rejeitar a nossa vocação industrial, mesmo que as nossas áreas protegidas, praias, paisagens, história e património sejam riquezas de peso. São essas que garantem a pujança do desenvolvimento.

Imagine-se – e já experimentamos alguns espirros – que a Autoeuropa se constipa, feche portas e zarpe para outras paragens… Antes que aconteça, precisamos de alavancar alternativas e diversificar o nosso tecido industrial, com aposta nos ninhos identificados no Pacto Verde Europeu. Precisamos de investimento, de mais empresas que ofereçam essa sustentabilidade.

Se o Estado não perceber isto, com tanto que a região tem dado ao país, estará mais uma vez a criar uma maldição que ata os desígnios do nosso futuro.

Raul Tavares
Diretor