Sempre que a actividade artística consegue alguma atenção mediática, o assunto parece ser apenas o dinheiro. É verdade que esta é uma das mais consistentes reivindicações do sector, mas não é a única. Claro que há muitos problemas que ficariam resolvidos se o investimento na cultura fosse superior e é pena que ainda não seja desta que o Ministério da Cultura consegue ter no Orçamento de Estado um aumento significativo das verbas de que dispõe. O desafio está em convencer os decisores da importância desse investimento, porque, como bem sabemos, nunca há falta de dinheiro quando existe vontade política. A grande questão que se coloca é: de que maneira é que se conseguirá alguma vez tornar o investimento nas artes uma prioridade política? E a resposta, parece-me cada vez mais, estará num percurso que terá de ser percorrido pelos profissionais das artes e pelos públicos.
Através das diferentes experiências por que temos passado, temos percebido que, por exemplo a nível local, o investimento cauteloso em estruturas artísticas profissionais deve-se mais à maneira como as mesmas são vistas por outras entidades, ou por algumas pessoas com poder de influência, do que propriamente por falta de dinheiro. Com o muito lento quebrar dessas resistências, tudo se vai tornando mais fácil. O enraizamento da actividade nos territórios pode ser crucial para que a presença das artes no quotidiano passe a ser uma realidade, o que implica um trabalho com o qual não se pode querer resultados imediatos. O problema que se coloca, na maioria dos casos, é que sem dinheiro este trabalho é interrompido por ser inviável. E aí voltamos ao início da conversa. Porém, aqui chegados, é importante que se perceba que o assunto não é o dinheiro, mas sim o trabalho que o mesmo permite fazer. Trata-se de uma pescadinha-de-rabo-na-boca, porque sem dinheiro não há trabalho profissional continuado, sem trabalho profissional continuado não há um aumento da relação com os públicos e sem essa relação não existe vontade política para aumentar o investimento.
Para sair deste lugar é preciso que alguém arrisque, seja através do sacrifício da estabilidade – que é o caso dos profissionais das artes, sempre fustigados pelo desejo que têm em fazer destas actividades uma profissão, quando não mesmo uma missão –, seja através do assumir posições menos populares por parte do poder político, que é o que alguns decisores acabam por fazer no sentido de pensar nos seus territórios a longo prazo, sem ceder à tentação de pensar simplesmente nas próximas eleições (sim, é raro, mas acontece). Também é preciso que se diga – e pouco se fala do assunto desta perspectiva – que todos somos responsáveis pela falta de investimento, porque somos nós, cidadãos-espectadores-fruidores, que constituímos os públicos que podem exigir diferentes medidas, tanto a nível nacional como local. É que em última instância é para nós, enquanto público, que o investimento existe e deve existir, pelo que não podemos em nenhuma circunstância demitir-nos desse nosso dever em prol de um direito – o direito fundamental à cultura.
À PARTE
Levi Martins
Diretor da Companhia Mascarenhas-Martins