O SNS e os privados na saúde

Sendo um acérrimo defensor do Serviço Nacional de Saúde, parido em 1979 por António Arnaud e por um punhado de outros homens livres, não deixo de simpatizar com a entrada dos privados no setor, nomeadamente no cluster hospitalar.

O contrário faz-me lembrar outros regimes que abomino, onde se comem direitos fundamentais dos povos e se sabota, todos os dias, a liberdade e as escolhas de cada cidadão.

Mas há regras, muitas regras a cumprir. A iniciativa privada neste setor tão nevrálgico e sensível não pode atuar sem regulação, muito menos visando a obtenção do lucro a todo o custo. Muito menos aproveitado as fragilidades estruturais ou de circunstância do SNS, que deve orgulhar cada um dos portugueses pelas enormes façanhas que já conseguiu nestes 41 anos de existência. Seja na mortalidade infantil, seja na erradicação de doenças virulentas, como a tuberculose por exemplo, ou dando respostas constitucionais ao direito consagrado do dever do Estado em garantir o acesso à saúde de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, bem como oferecer esses cuidados de forma descentralizada e participada.

Quando começaram a nascer como cogumelos os hospitais privados, a maior parte dos quais promovidos por alguns grupos económicos poderosos do país, em negócios duvidosos – alavancados pelas devastadoras PPP – Parceria Público Privada – ficou claro que a obtenção do lucro ‘rapidamente e em força’ se revelava o máximo-denominador-comum desta cruzada.

Os resultados desta conclusão estão à vista de todos: Antes da pandemia, nenhuma destas unidades deu prejuízo e, quase todas elas, beneficiaram do Estado porque, ao abrigo de vários protocolos, ‘encheram’ as suas listas e as suas enfermarias de doentes enviados pelo SNS. Mais: ficaram com parte dos doentes em trânsito, sem maleitas mais graves, chegando mesmo a recusar casos mais complicados, mantendo as suas instalações modelares ‘limpas’ de horrores maiores. Já para não falar da concorrência feroz que tem retirado médicos do SNS.

Agora, perante o adensar da crise Covid, é tempo de demonstrar que podem e devem fazer parte do sistema de saúde nacional. Empreendendo esforços para ajudar a combater este flagelo e a oferecer outra face que não a da ganância, porque a procura do lucro, neste caso, é legítima. Se isto suceder, o país e os portugueses olharão certamente de outra forma para estas unidades e todos ganharemos com a mudança de paradigma.

Raul Tavares
Diretor