Na passada terça-feira, 17 de Novembro, demos início a um ciclo de conversas online com o título “Verdade e consequência”, que vai continuar até Janeiro, perto da data de estreia da nossa próxima produção, “Nó”. Estas conversas têm como principal objectivo alargar a discussão sobre temas que temos vindo a abordar nos espectáculos, convidando um conjunto de pessoas com percursos muito diversos a partilhar connosco e com o público as suas experiências e pensamento em relação ao processo de tomada de decisões. Por exemplo: interessa-nos perceber, a partir da psicologia ou da neurologia, que operações potenciam ou condicionam as decisões que tomamos ao longo da vida, ou pensar nas condições sociais e políticas que constituem o contexto em que cada indivíduo se move. Terminaremos a 12 de Janeiro numa conversa com o elenco do espectáculo. Vai ser sempre às terças, às 21h30, com transmissão em directo na nossa página de Facebook (facebook.com/mascarenhasmartins).
O facto de regressarmos à discussão deste tema parece-me um sintoma de que a dificuldade de escolher um percurso, tanto a nível pessoal como profissional, é um assunto que nos ocupa o subconsciente. No espectáculo “Há dois anos que eu não como pargo”, escrito pelo Miguel Branco – que, aliás, foi o protagonista da primeira conversa –, acompanhávamos três amigos em busca de um sentido qualquer para as suas vidas, que não parecia surgir das suas ocupações profissionais. Era a procura por qualquer coisa mais importante do que ganhar dinheiro, digo eu, o que se pode relacionar com o esgotamento da lógica que tem sido dominante nas últimas décadas. Também agora em “Nó”, escrito pela Maria Mascarenhas (com textos adicionais do Miguel Branco), passamos tempo com três jovens que, no contexto do ensino superior, estão à beira da vida adulta, a qual parece mais um abismo do que a promessa de uma estabilidade feliz. Eu, que já não me sinto nesse momento-charneira da vida, continuo de vez em quando a sentir uma ligeira vertigem. Já estou a viver as consequências de muitas das decisões que tomei nesse momento, mas tendo em conta o panorama altamente instável do presente, por vezes parece-me estar a regressar ao ponto de partida. Lembro-me de tentar imaginar o que seria o meu quotidiano quando, nas velhas carteiras da Escola Secundária de Bocage, em Setúbal, me confrontava com os resultados inconclusivos de testes psicotécnicos, com as pressões de várias origens, de familiares, de amigos, de amigos de familiares, professores, enfim. Nessa altura, a paisagem parecia tão ampla, cheia de possibilidades e promessas, só desejava o horizonte. A prática, porém, consiste sempre muito mais no lidar com a pequena escala, com aquele terreno acidentado, este obstáculo que é preciso contornar. Um trabalho, outro trabalho, ainda outro.
Talvez no presente o horizonte pareça só uma miragem, uma projecção. E cada vez que alguém começa a escolher o caminho, sabe que provavelmente não está a caminhar em direcção a nada que valha verdadeiramente a pena. Não sei. É possível que tão depressa não nos livremos deste assunto.
À PARTE
Levi Martins
Diretor da Companhia Mascarenhas-Martins