Por vezes gosto de redescobrir as histórias da história lendo os jornais da época. Em 1918, as boas novas do final da I Guerra Mundial coincidiram com a chegada da “senhora espanhola”, a chamada pneumónica. Portugal tinha, nessa época, menos de 6 000 000 de habitantes, até ao final da terceira vaga iriam morrer mais de 100 000 pessoas vítimas desta gripe que encontrou um caldo de cultura fantástico num momento em que a tuberculose, a carência de bens alimentares essenciais, a miséria, a insalubridade, contribuíram para a sua rápida propagação.
O que é interessante na cobertura jornalística deste trágico acontecimento é que a instabilidade política, a crise económica, a crise social, o regresso dos militares mutilados, a divulgação das listas de prisioneiros e de mortos em combate tudo isto desviou as atenções jornalísticas desta imensa tragédia humana.
Morte súbita, colapsos, síndrome de dificuldade respiratória aguda estes os sintomas aliados ao facto de os casos mais graves e mortais incidirem sobre a população jovem, levaram a um crescente alarme social, mas mesmo assim, nos jornais da capital há uma notável escassez de histórias humanas: os hospitais e cemitérios rebentaram pelas costuras, as farmácias ficaram sem medicamentos entre rumores de especulação, não havia pão, nem leite, discutia-se o racionamento, o número de órfãos bateu records, os grandes armazéns Grandela ofereciam descontos na roupa de luto…são estas as notícias que permitem inferir o quadro.
Em Outubro, no apogeu da epidemia, Ricardo Jorge, Comissário Contra a Gripe, fecha escolas e proíbe visitas aos hospitais, mas deixa abertos os teatros… A imprensa atacou a gestão da crise, as autoridades responderam com a imprevisibilidade e a impotência: não havia transporte para os doentes, as brigadas médicas não estavam no terreno, a consciencialização da população revelou-se difícil de conseguir.
Entretanto a corrida aos medicamentos estava lançada. Por toda a parte se anunciavam remédios milagrosos alguns, pela descrição, não deveriam andar longe de um after-eight…
Foram mais de 100 000 mortes que motivaram uma crise demográfica, foram mortes silenciosas que ficaram presas na memória colectiva das comunidades, mas não atingiram uma dimensão nacional.
Passaram cem anos, neste tempo, a medicina fez progressos incríveis, a esperança de vida aumentou consideravelmente, vencemos algumas doenças e somos agora capazes de controlar outras. As pandemias que pareciam saídas do argumento de filme de terror, fizeram o seu regresso. Os jornais e as televisões asseguram-se de que não a esquecemos. A covid 19, deixou exposta a nossa vulnerabilidade individual e de grupo. Os nossos comportamentos individuais contam, a limitação da nossa liberdade individual, em nome do bem comum, dói mas é necessária. A impotência e desnorte das autoridades de saúde irrita, hoje, como há cem anos. A nossa esperança de normalidade reside na vacina, até à próxima pandemia, porque haverá sempre outra…
CRÓNICAS DISTO E DAQUILO
Catarina Tavares
Dirigente Sindical