Sesimbra pode voltar a ter micro fábrica conserveira

Depois do peixe-espada preto, o caldemontes em azeite será a nova conserva comercializada a partir de Sesimbra. O produto surge no mercado ainda este ano.

A indústria conserveira pode estar de regresso a Sesimbra. A iniciativa é do empresário que, há dez anos, fez um contrato com um armador local, dando origem à produção de conservas de peixe espada-espada preto. Agora, para além de estar previsto, para este ano, o lançamento de um novo enlatado com pescado do mar local, admite-se que, volvidos mais de 20 anos, possa ser criada uma microempresa capaz de lançar no mercado dois milhares de latas diariamente.

José Nero, o empresário cujo avô e pai tiveram fábricas na região a partir de 1912 (em 1996 fechou no Montijo a última unidade que a família ali construíra, já depois de ter encerrado as unidades de produção em Sesimbra e de se ter estabelecido em Matosinhos), disse ao Semmais que “existe a possibilidade de, a curto ou médio prazo, se criar uma microempresa em Sesimbra”. Essa unidade, referiu, deverá servir para enlatar um produto totalmente pioneiro no país e, por ventura, no mundo.

“Estamos a fazer testes e, em princípio, vamos fazer conservas de caldemontes”, disse. O caldemontes, ou o Cão do Monte, como é conhecido em Sesimbra, é uma espécie da família do tubarão, muito parecido com o cação, que desde há décadas é consumido no concelho, onde muitas famílias ainda o secam pendurando-o nos estendais da roupa.

“Antigamente o caldemontes era seco em quase todas as casas de Sesimbra. Era um alimento acessível a todos e muito consumido pelos mais pobres. Hoje ainda há quem o seque e prepare, mas dizem que chega a ser mais caro do que o bacalhau”, afirmou o empresário, garantindo que existe em quantidade suficientes para poder ser comercializado em conserva de azeite.

“É viável e corresponde aos objetivos traçados de procurar sempre novas soluções na área das conservas”, explicou José Nero, que realça o facto de, a exemplo do que acontece há cerca de dez anos com o armador de Sesimbra Custódio Lopes para o fornecimento de peixe-espada preto, também já possuir agora um acordo para o fornecimento do pescado que vai ser a base do novo enlatado.

 

Qualidade do pescado pode ser estimulada pela certificação

O surgimento de uma nova conserva (a empresa de José Nero possui atualmente mais de 60 referências distribuídas por sete marcas que são, na sua maioria, enlatadas em Olhão) é também, um eventual primeiro passo para se criar uma medida inédita em Portugal: a certificação de pescado oriundo de um determinado local.

“Entendo que Portugal, há semelhança do que acontece em Huelva, Espanha, com a captura da cavala, deve criar locais de captura com origem certificada. Sesimbra, que tem excelente peixe, de que é exemplo o peixe-espada preto e que, como esperamos, se venha a verificar com o caldemontes, devia ser uma dessas regiões. Era um sinal de qualidade”, afirmou José Nero.

O empresário, embora sem qualquer comprometimento, disse ainda que o regresso da indústria conserveira à cidade de Setúbal, também poderá ser viável embora não esteja prevista. “A acontecer seria sempre nos moldes que temos estudados para Sesimbra, com a criação de uma micro fábrica”, avançou. Além disso, essa possibilidade depende sempre de contratos com armadores locais e, sobretudo, terá sempre de ser uma consequência de uma eventual falha, que não deseja, da empresa algarvia que agora faz as diversas conservas.

José Nero garante, no entanto, que não descura nunca a possibilidade de valorizar o pescado e outros produtos da região de Setúbal e dá como exemplos as conservas existentes no mercado de atum com alecrim da Serra da Arrábida, assim como as de salmão com tomilho e segurelha, igualmente recolhida na mesma serra.

 

Caixa

Dos romanos até à Ásia pela mão da família Nero

Sesimbra chegou a ter 14 fábricas conserveiras em atividade, empresas que davam emprego a centenas de pessoas e asseguravam o escoamento de todo o pescado daquelas águas. O declínio desta atividade no concelho – a qual terá mais de 2.000 anos e da qual já se encontraram inúmeros vestígios deixados pelos romanos – começou a acentuar-se no início da década de 1970, quando a Síria, então o principal comprador das conservas locais, rompeu os acordos com os portugueses em forma de protesto pela Guerra Colonial.

Atualmente a família Nero, que chegou a Sesimbra no século XVII, proveniente de Itália, entende que é possível reativar parte de uma atividade que nunca abandonou, embora só produza por ano cerca de 20.000 latas. São conservas que se vendem em Portugal, mas que têm como mercados preferenciais 12 outros países em todo o mundo, nomeadamente na Europa e também nos EUA. “Uma lata de peixe-espada preto, que tem grande aceitação entre os miúdos, é vendida a preços que vão dos 4,5 aos 5 euros”, diz José Nero, salientando que para além do mercado europeu este produto pode penetrar, em breve, em mercados como Macau, Hong Kong, Japão e Coreia do Sul.

 

Caixa

Autarquia saúda e apoia

A câmara de Sesimbra já manifestou o apoio ao regresso da indústria conserveira à vila que chegou a ter em atividade 14 fábricas. “Se se concretizar a instalação do projeto, a ideia é saudada e o município irá dinamizar e disponibilizar os apoios que puder”, disse Francisco Jesus ao Semmais. O autarca afirmou ainda que Sesimbra possui o porto do país com maior volume piscatório, salientando também a qualidade do peixe ali capturado e comercializado. “O valor do pescado de Sesimbra é, de resto, valorizado pela câmara, que continua a promover as conservas feitas com o pescado do nosso mar, mesmo não existindo já nenhuma fábrica no concelho”, adiantou.