Em 2020, aconteceu o que alguns previam e ninguém acreditava: depois de todos os progressos da medicina, um infimamente pequeno vírus entrou nas nossas vidas, nas nossas sociedades, nas nossas economias e lançou o caos. Estamos agora, em 2021, obrigados a novo confinamento e a um continuado distanciamento social. As consequências para a economia são devastadoras, por mais que a sociedade e os agentes económicos procurem manter a normalidade, a desigualdade e a pobreza estão em crescendo.
Em 2018, havia 109 milhões de pessoas em risco de pobreza na União Europeia, sendo que destas quase 7 milhões estavam numa situação de privação material severa – são potenciais sem-abrigo. Não se sabe ainda qual o real impacto da pandemia na economia, mas os indicadores económicos existentes fazem pensar que na Europa muitas mais pessoas, muitas mais famílias irão ficar em situação de grande carência. Este não poderá ser o “novo normal” e é por isso, que hoje mais do que nunca a luta contra a pobreza é uma urgência na Europa e em Portugal.
Leio que, em Setúbal, o número de pessoas sem-abrigo duplicou e que dispararam os pedidos de ajuda alimentar. Na verdade, às populações habitualmente mais vulneráveis (imigrantes, mulheres, jovens, minorias étnicas) somaram-se os trabalhadores independentes e os precários que, qualificados ou não, de um momento para o outro ficaram sem rendimentos.
A grande expectativa relativamente à chamada bazuca europeia está na capacidade de estimular a economia através de investimento estratégico e, ao mesmo tempo, criar emprego de qualidade porque o trabalho não deve apenas gerar riqueza para a sociedade e mais-valias para os investidores, mas também gerar qualidade de vida para as pessoas. O Governo não pode deixar de, na hora da atribuição dos fundos comunitários, avaliar a responsabilidade social das empresas concorrentes e ter em conta as respetivas práticas de diálogo social e de negociação coletiva. Num país onde trabalhar não é condição suficiente para sair do limiar da pobreza, o aumento do salário mínimo para 665 € é de saudar, mas a prolongada paralisia da negociação coletiva nos sectores público e privado tem encostado os salários médios ao mínimo e conduzido ao empobrecimento de muitos trabalhadores. Mais, não podemos ignorar que a pandemia veio acelerar a tendência de digitalização da economia e o que isso significa em termos de emprego.
A pobreza é um ciclo vicioso que tende a perpetuar-se por gerações, para quebrar esse ciclo o trabalho digno é crucial, mas não é o único factor: o acesso à educação, à saúde, à habitação funcionam igualmente como elevador social.
Nesta luta contra a pobreza, as autarquias têm um papel a desempenhar. Algumas câmaras municipais deste distrito mantêm incompreensivelmente uma mão-cheia de “bairros precários” onde as pessoas vivem em condições degradantes (o bairro da Jamaica é, apenas o mais conhecido, mas há outros). Não basta encher a boca com reivindicações, bater no peito pela justiça social e culpar o poder central. É preciso agir. Os problemas arrastam-se no tempo, com a solução sempre à vista, mas sempre adiada. Não quero imaginar estar confinada num destes bairros. É preciso, à semelhança do que aconteceu um pouco por toda a AML, encontrar habitações dignas para as famílias até aqui condenadas a repetir ciclos de pobreza e exclusão social. É preciso quebrar este ciclo maldito, a habitação é um marco importante nesse ponto de viragem.
Com a pandemia estamos mais sós, mais isolados, mais capazes de compreender a necessidade de fazer da luta contra a pobreza e a exclusão social um objetivo da sociedade.
CRÓNICAS DISTO E DAQUILO
Catarina Tavares
Dirigente Sindical