Num exercício especulativo, daria por normal que André Ventura conseguisse aglutinar até um limite de 15 mil votos no distrito de Setúbal – pouco mais por exemplo da soma do dois candidatos anti-sistema das eleições de 2016, Paulo de Morais e Henrique Neto – e não deixasse o lastro que deixou, bem como a perceção de que pode colocar algum terreno minado nas próximas autárquicas e legislativas.
Bem sabemos que a extrapolação entre atos eleitorais vale o que vale. E, sabe-se também – houve sondagem a propósito à boca das urnas – que caso se tratasse de legislativas os valores, neste caso do Chega, seriam bem menores. Mas não convém descurar este incómodo que se instalou numa região autárquica marcadamente de esquerda.
Na verdade, não creio que o líder do Chega tenha toldado tantas cabeças que normalmente votam PS, CDU ou Bloco de Esquerda. E se o fez terá sido de forma muito residual. Acredito mais que, para além de algum voto oriundo da direita clássica, Ventura tenha arrastado voto novo, voto jovem e, claro de protesto.
Só que, neste caso, se trata de um protesto vazio. Os problemas do país não são nem os ciganos, nem os criminosos que não se castram ou que deveriam ficar em reclusão para toda a vida, muito menos os imigrantes ou as minorias. E esta perceção é que confunde. Ventura não tem uma ideia que se possa discutir, entender, aceitar. É um destilar ódio e verborreia.
Era interessante, portanto, perceber o que pensa este meio milhão de portugueses votantes nesta figura errante sobre o que este faria com o poder nas mãos. Mesmo que seja apenas na brecha de lá chegar à boleia – a ameaça foi feita ao vivo e a cores – de um PSD irreconhecível, pouco incomodado com as companhias.
De resto, no que toca ao país e à região, Marcelo secou quase tudo à sua volta e a esquerda dividiu-se e até trocou voto, com Ana Gomes a captar algum sufrágio útil a pretexto do bem sucedido objetivo de não se deixar encher ainda mais o balão do candidato da extrema-direita.
A ver vamos o que isto vai dar, num país que está a enfrentar uma autêntica guerra de saúde pública, com muita inconsciência nas ruas e um oportunismo político que alimenta o lamaçal por onde o populismo vai impactando os seus rastilhos.
Raul Tavares
Diretor