Um feliz acaso e uma posição imanente, no âmbito da investigação que atualmente estou a desenvolver no domínio da arte e da educação, permitiu-me pousar o olhar na “Metalúrgica Alentejana”[1] (MA) e nas possibilidades narrativas das memórias desse espaço heterotópico[2], nas suas múltiplas camadas de significação. Memórias [resgatáveis] de um espaço industrial na cidade de Beja.
No contexto da minha investigação, que envolve narrativas visuais no espaço Alentejo e formação em artes, interessa-me, como refere Juhani Pallasmaa[3], a nossa “…capacidade inata de lembrar e imaginar lugares…” através da interação entre a perceção, a memória e a imaginação que nos permite construir “… uma imensa cidade de evocações e recordações…” (p.64) na nossa mente, e que nos lembramos ou imaginamos quando lemos um livro ou vemos um filme. Conceitos relevantes quando, a partir de Beja, nos desafiamos a formar criadores, futuros cineastas, com competências e aptidões técnicas adequadas ao perfil profissional, igualmente sensíveis para ficcionarem memórias, recordações e vivencias.
É neste contexto que a MA emerge como espaço de perceção, memória e fantasia que nos desafia a cartografar os testemunhos, a documentação ou os objetos que nos permitem compreender o papel desta indústria no espaço sociocultural, onde se fundiram alfaias que rasgaram a terra e ajudaram o homem a “modelar” a paisagem, num período histórico de grandes transformações no Alentejo.
No Álbum Alentejano, por volta de 1932, podemos ler que a MA era uma “…das mais importantes casas no género existentes no país…”, especializada em “relhas aceiradas e bicos” (poético!); e, vamos perceber através da documentação do fundo da MA no Arquivo Distrital de Beja[4] que nos anos 60-70 esta, para além de ter clientes um pouco por todo o Alentejo, possuía uma capacidade técnica e tecnológica que permitia desenhar, fundir, fresar… peças para a indústria naval.
Já nos anos 70-80 a informação sobre a MA é escassa na documentação e fragmentada no testemunho da memória, contido por “representações gerais e coletivas” tendencialmente de base ideológica, o que acaba por se constituir como uma oportunidade para contar com a ficção (cinematográfica) como meio de vivenciar a realidade, a partir de resgate das memórias e vivências que nos estão na pele.
Agora, enquanto o espaço rural é marcado no Baixo-Alentejo por contínuas transformações proporcionadas pela barragem do Alqueva e a indústria emergente é a manutenção aeronáutica, as paredes da MA estão suspensas na patine de um tempo extraordinário que justificava um registo audiovisual[5] das memórias afetivas, antes de as deixarmos ir.
[1] Estabelecimentos Industriais Metalúrgica Alentejana (MA)
[2] Michel Foucault
[3] Pallasmaa, J. (2011) Os Olhos da Pele. A Arquitetura e os Sentidos. Bookman.
[4] O Arquivo Distrital de Beja (ADBJ – DGLAB) gentilmente e num grande empenho na colaboração com o IPBeja, organizou o fundo da MA disponibilizado atualmente para consulta no site.
[5] Com um agradecimento ao atual proprietário que autorizou o registo fotográfico.
Aldo Passarinho
Professor Instituto Politécnico de Beja