Os resultados das eleições presidenciais de 24 de janeiro no Alentejo provocaram um saudável e estimulante debate na região e fora dela. Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito com uma maioria robusta em todo o país e também no Alentejo. Surpreendentes, ou talvez não, foram os resultados obtidos por André Ventura, que se posicionou globalmente em segundo lugar e venceu mesmo em quatro pequenas freguesias.
Ventura capitalizou a sensação de abandono decorrente das distorções demográficas e da consequente erosão dos serviços de proximidade, a vontade de protesto num contexto de pandemia em que as desigualdades ficaram mais expostas, e também as perceções de ressentimento e receio, em relação ao acesso aos serviços públicos em geral e em particular aos modos de vida das populações de etnia cigana.
Para Ventura também foram canalizados muitos votos de cidadãos e cidadãs que nunca aceitaram a revolução democrática do 25 de abril e a viragem que a democracia trouxe à paisagem social e económica alentejana. São eleitores que andaram a vaguear na abstenção ou no voto útil em partidos do espectro mais à direita como o CDS ou o PSD e que agora encontraram o seu espaço natural, tendo muitos deles feito provavelmente o seu primeiro voto em tempo democrático. São aqueles para quem, citando Luis Rego num interessante testemunho publicado no Expresso Online em 27 de janeiro, “O MIRN era muito à esquerda”.
Não sei quantos dos 28404 alentejanos que votaram Ventura pertencem à categoria dos desiludidos com o seu contexto económico e social e quantos pertencem aos desiludidos com o princípio de um Alentejo democrático, que deixou de ser uma coutada de alguns e passou a ser um território para todos. Os primeiros serão certamente muito mais numerosos que os segundos. A resposta política dos democratas a uns e a outros, tem que ser necessariamente diferente.
Olhando os resultados das eleições presidenciais concluo que ao contrário do que pude ler em muitas parangonas, o Alentejo não mudou. Os resultados trazem à tona uma realidade que já existia e que exige uma reação inteligente e adequada a cada segmento do eleitorado da candidatura que emergiu, esperemos que pontualmente, na paisagem alentejana.
Os autoritários e antidemocráticos têm que ser enfrentados política e ideologicamente, reforçando a qualidade da democracia e continuando a investir na inclusão e no combate às desigualdades. Os desiludidos ou iludidos pelas perceções têm que ser ouvidos, compreendidos e envolvidos nas soluções que poderão dar resposta à frustração que legitimamente revelaram, para que possam voltar quanto antes à casa da democracia.
Carlos Zorrinho
Eurodeputado PS