Sentenças de morte

Facto 1

A recente atualização, a 09/02/2021, da Norma da DGS n.º 02/2021 de 30/01/2021, ao referir no nº 32  que “ a  vacinação  dos profissionais,  residentes  e  utentes  de  ERPI,  instituições  similares, e unidades  da  RNCCI  nas  quais  existam surtos  de  COVID-19  ativos deve  ser  adiada, devendo  as  pessoas  que  não  tiveram  COVID-19  nesse  surto  ser vacinadas,  logo  que possível, após 14 dias desde o último caso identificado de COVID-19”, poderá constituir-se nas próximas semanas na sentença de morte, para os Lares de Idosos que ainda não foram vacinados (30%).

Não existindo evidências cientificas, credíveis, que sustentem a não vacinação de milhares de idosos institucionalizados e dos profissionais do setor social que trabalham em Lares de Idosos com infetados COVID-19, em instituições que cumprem as orientações do Estado, num território, como o de Setúbal, que regista pela quinta semana consecutiva, o número mais elevado de casos confirmados por 100.000 habitantes, admite-se que venha a constituir o crime de negligência contra o Estado, praticado pelos profissionais de saúde responsáveis pela vacinação, que deviam conhecer o funcionamento e as infraestruturas dos Lares de Idosos e atempadamente terem alertado as chefias regionais da DGS para as incongruências da Norma, a qual não pode ser aplicada de forma cega, como se todos os Lares de Idosos fossem iguais.

Facto 2

O n.º 3 da Orientação da DGS n.º 009/2020 de 11/03/2020, a 23/07/2020, ao definir que “Se ocorrerem casos suspeitos num Lar de Idosos entre os residentes devem  ser definidos grupos  de cuidadores para    os    doentes    respiratórios    e    grupos    de    cuidadores    para    os outros utentes/residentes”, considera, erradamente, que os Lares de Idosos têm recursos e infraestruturas idênticas aos equipamentos sociais que têm atividades tuteladas pelo Ministério da Saúde.

Sobre as implicações do cumprimento desta orientação nas dificuldades de gestão dos Lares de Idosos, que se arrastam quase há um ano, desconhecem-se as propostas de atualização da referida Orientação por parte das instituições que representam a nível distrital e nacional as IPSS que prestam serviços à população idosa.

Quando as estruturas sindicais que representam os profissionais do setor social, aceitam que os trabalhadores com a categoria de Ajudante de Ação Direta, que são responsáveis nos Lares de Idosos pelos cuidados diretos aos idosos infetados COVID-19, têm as mesmas competências que os profissionais de saúde, demonstra de forma inequívoca o desconhecimento da realidade funcionamento dos Lares de Idosos bem como os conteúdos funcionais dos cuidadores sindicalizados.

Em síntese: O Estado continua a correr atrás do prejuízo. Depois da experiência de 11 meses de pandemia, com a cumplicidade dos sindicatos e das organizações que representam as Estruturas Residências para pessoas Idosas, o Estado insiste em medidas de mitigação da infeção COVID-19 que partem do pressuposto que os recursos dos Lares de Idosos são idênticos aos serviços públicos do SNS, as quais poderão constituir a curto prazo possíveis “sentenças de morte” para as pessoas idosas institucionalizados, profissionais do setor social que ainda não foram vacinados nos Lares de Idosos.

ATUALIDADE
Paulo G. Lourenço
Investigador social/Membro da EUROCARERS