“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”, esta frase foi criada por Orwell como slogan para o Partido totalitário que domina a distopia futurista 1984.
Nos últimos tempos temos assistido a controvérsias mais ou menos disparatadas que têm como denominador comum o passado histórico. Reescrever o passado é uma tentação que existe desde que há memória. A história está continuamente a ser escrita e reescrita porque somos nós pessoas concretas do presente que questionando vestígios e fontes procuramos encontrar no passado as respostas e analogias para as nossas interrogações de hoje.
Leio declarações, e vejo intenções de destruição de espaços de memória que revelam o carácter totalitário de quem as coloca em cima da mesa. Eu defendo o direito à palermice e, por isso, fico contente com os cinco minutos de fama que algumas destas propostas trazem aos seus autores.
Na verdade, preocupam-me muito mais as demolições que não se anunciam. Aqueles edifícios e lugares, aquelas paisagens que não havendo coragem para enfrentar uma boa polémica, se vão deixando ao abandono para que o tempo se encarregue de fazer o seu trabalho e, paulatinamente, o património se converta numa ruína. Quantos mosteiros, palácios, quintas… de interesse histórico e arquitetónico foram condenadas a este abandono aos elementos? Quantas nesta cidade de Setúbal? Quantas neste distrito?
As heranças mal resolvidas, a especulação imobiliária, a ignorância, o desinteresse explicam muitos casos, mas estou convencida que quando se tem uma visão da história como uma caminhada triunfal numa determinada direção, os vestígios de um passado que apontam para algo de diferente… esses vestígios são incómodos e como tal devem ser apagados da memória colectiva.
Olhemos, a margem sul. Até há poucas décadas as quintas e as matas dominavam a paisagem. A proximidade a Lisboa e a comodidade dos transportes fluviais estimularam os movimentos de pessoas, de produtos da silvicultura, da agricultura e produtos transformados… No final do séc. XIX instalaram-se no espaço que é hoje o distrito de Setúbal as primeiras unidades industriais. 150 anos depois olhemos, o que foi feito deste espaço fabuloso: a maior parte das quintas, dos conventos, das capelas desapareceram ou, são vestígios. As florestas de pinheiro e carvalho foram substituídas por florestas de betão, e as que subsistem como áreas protegidas estão mesmo assim ameaçadas.
E porquê? Porque o progresso trouxe indústrias, trouxe pessoas, trouxe estradas… e trouxe a vontade de uma narrativa dita “progressista” incompatível com o meio rural, incompatível com os edifícios religiosos, com as casas de nobreza e da burguesia. Nem mesmo as antigas fábricas, com os seus armazéns, resistiram a esta voragem – demasiado antigas para fazerem parte do movimento sindical “certo”.
E assim, sem necessidade de fazer chinfrim e, até, com horror a ele, se tem destruído património ambiental e edificado em nome de uma concepção ideológica se decide o que deve e não deve ser preservado, num exercício de “reescrita” da história.
CRÓNICAS DISTO E DAQUILO
Catarina Tavares
Dirigente Sindical