E se o vírus nos abrandasse o ritmo?

Fez um ano que a pandemia nos obrigou a ficar longe do vertiginoso mundo dos excessos, da cultura da competição e do frenesim das rotinas de um quotidiano que nos tem atropelado sem dó nem piedade.

Foi obra do vírus, sem apelo às Divindades, nem recurso aos ditames da política. O dia encolheu, os afazeres também, e o materialismo quase que fez uma pausa. Tem sido tudo mais ‘slow’, para lembrar o nome de um movimento nascido em Itália, corria o ano 86 do século passado, que tem feito escola no mundo ocidental e que tem levado a que muitos jovens tenham trocado trabalhos e lugares carregados de stress pelo mundo rural ou por um interior mais saudável.

Mesmo com o peso que as doenças mentais eventualmente nos possam vir a trazer num futuro próximo, por causa do confinamento forçado, e da falta desse frenético quotidiano que os tempos modernos nos impôs, podemos e devemos aprender algumas lições. É que o mundo se tornou excessivamente rápido e a fadiga de cansaço que galopa sobre a realidade que nos cerca pode ajudar a colocar algum juízo nas cabeças mundanas. E, neste caso, este corona e o medo dele podem ajudar a abrandar o ritmo.

Sendo difícil medir esse gigantesco passo para a humanidade, e muito mais duvidoso que a sociedade do consumo, a competitividade insana e o materialismo que inunda parte da atual essência do ser humano possam inverter o rumo, está aí à vista de todos uma nova oportunidade, apostar num ritmo mais lento de vida.

Esse abrandamento pode ser operado em todas as esferas sociais, combatendo a velocidade do stress, reduzindo o tempo de trabalho, apostando numa mais adequada qualidade de vida e em alguns dos valores que se foram perdendo ou mesmo esmagando.

E tudo isto à conta de uma nova agenda política que aposte, sobretudo, nos direitos sociais, no ambiente, no combate às desigualdades, nas ciências do futuro, no combate à corrupção, numa justiça mais célere, numa economia de desenvolvimento sustentável contra a selvajaria financeira e especulativa, e com o primado da pessoa em primeiro e último lugar.

São escolhas individuais e coletivas a pôr-nos à prova, em nome das gerações futuras. A ver se seremos capazes de abrir este novo ciclo e estarmos à altura do que o destino nos está a colocar nas mãos.

Raul Tavares
Diretor