O Código de Ivo, em “Nome da Rosa”

Quando estudei Direito Penal aprendi as fontes de direito. Claro que na altura aprendi algo importante que era uma frase que dava para respondermos a tudo o que não tínhamos a certeza: “a doutrina diverge” e nessas fontes de direito constavam de facto a jurisprudência, a lei, entre outras, mas não constava nenhum código feito à medida, como parece ser o caso.

É certo que em direito a doutrina diverge, mas não nos permite aplicarmos a lei à nossa medida que foi o que este Juiz fez, dando a ideia que primeiro decidiu e depois foi procurar argumentos, ainda que sejam de refugo, para conseguir fundamentar a sua decisão.

Dou-vos um exemplo: o Sr. Juiz de Instrução Criminal (JIC) claramente não queria levar José Sócrates a julgamento pelo crime de corrupção. O que fez ele? Veio dizer que o crime já prescreveu.

Como fundamentou ele essa originalidade jurídica que aparentemente “passou ao lado” do Ministério Público, do anterior JIC que validou os actos do MP (falo do Juiz Carlos Alexandre, contra quem esta decisão pareceu ser uma autêntica vendetta) e dos Meritíssimos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação (e acreditem que houve diversos recursos, logo vários Juízes Desembragadores puderam apreciar esta prescrição que o Dr. Ivo Rosa, tão estoicamente “sacou da cartola”)? Simples, foi buscar uma interpretação que foi usada uma única vez por um “tribunal político” (o Tribunal Constitucional), que nunca mais foi utilizado por ninguém, nem da Relação, nem do Supremo Tribunal de Justiça e que na altura apenas dois juízes votaram isso, contra o voto de vencido da única Juiz de formação jurídica que foi muito crítica. E quem eram esses juízes? Dois “Boys do PS”, um deles de nome, Cláudio Monteiro (antigo deputado do PS entre 1995 e 2002, depois de um acordo entre os socialistas e o Movimento Humanismo e Democracia) e  Teles Pereira (antigo diretor do Serviço de Informações e Segurança) com a referida  juíza Fátima Mata-Mouros (que votou vencida) a declarar que o acórdão constituía uma “inflexão” e um “desvio” na posição até então assumida pelo Constitucional.

Mais estranho, pasme-se que este acórdão do Tribunal Constitucional surgiu uma semana após o início da fase de instrução da Operação Marquês (que começou a 28 de janeiro de 2019). Os juízes do Palácio do Ratton foram confrontados com um recurso vindo do Supremo Tribunal de Justiça sobre o início da contagem dos prazos de prescrição no crime de corrupção. Também vos parece estranho ou é só a mim?

Mais estranho é que esta decisão naturalmente não fez escola (isso não estranho), a não ser pela pena de um Juiz de nome Ivo Rosa, que serviu na perfeição a um ex-primeiro-ministro “rosa”.

Pergunta-se: Mas faz algum sentido que o prazo de prescrição do crime de corrupção começa a contar quando há uma promessa e não com a entrega de dinheiro?  O Supremo Tribunal de Justiça e quase toda a comunidade jurídica dizem que tal leitura abre a porta à impunidade, chegando-se ao absurdo, com esta leitura que o crime já esteja prescrito antes de ser consumado ou, ainda mais ridículo, que se Sócrates continuasse a corromper o seu amigo, como essa corrupção foi combinada em data que já prescreveu, então podia continuar a fazê-lo pois nunca poderia ser apanhado por via dessa prescrição.

E ainda, em cada crime, bastava que o corruptor e o corrompido viessem dizer que combinaram esse crime em data já prescrita e não lhes acontecia nada… Já viram o ridículo?

Não, meus amigos, não se trata de andarmos a destratar um Juiz, só porque não gostámos da sentença, no caso despacho de pronúncia, mas sim de um Sr. Juiz que resolveu de uma penada, destratar o seu colega Carlos Alexandre, a instituição Ministério Público, sem qualquer urbanidade, com um espectáculo de quase três horas para a televisão (era mesmo necessário?) e até os seus colegas desembargadores e conselheiros, que unanimemente têm decidio de forma contrária ao que o “iluminado” Juiz “Rosa” debitou.

A decisão não me espanta, pois foi assinada por alguém que desde sempre remou contra a maré, sempre esteve orgulhosamente em contra-ciclo, como aquele rapaz que vai em contra-mão na auto-estrada e liga â mãe a dizer “mamã, passei no exame de condução  e já vou para casa na A2, mas que isto de conduzir é um mundo louco, porque estou a ver centenas carros em contra-mão”, ao que a mãezinha lhe diz: “tem cuidado filhinho, há muita gente que não sabe conduzir. Sabe-se lá se tiraram a carta como tu, meu querido, acabaste de o fazer”. Mas se digo que a decisão não me espantar, quero deixar aos leitores desta crónica duas certezas: a primeira é que aposto a minha mãozinha direita em como a decisão vai ser revogada pelo Tribunal da Relação na sua larga maioria, se não mesmo em toda a linha e a segunda é que, sendo a fase de instrução, uma fase preliminar, após a decisão de não pronúncia que o Tribunal da Relação vai de certeza reverter (assento esta minha afirmação no que conheço do processo e do conhecimento que tenho da lei e da forma como os tribunais superiores julgam estes casos, vulgo jurisprudência) o processo vai a julgamento (falo desse julgamento e não do julgamento que o JIC Ivo Rosa deixou prontinho com a alteração do crime, pois esse parece-me menos provável de ser ganho, precisamente pela discussão sobre a alteração jurídica) e na fase de julgamento, também aí, aposto a minha outra mãozinha em como Sócrates será condenado.

Para quem já me esteja a imaginar maneta, só tenho a dizer que é uma aposta que não me custa fazer, pois, não só tenho confiança nos argumentos que aqui aduzi e, em segundo lugar, até esta decisão transitar em julgado, mais depressa ofereço todos os meus órgãos para a ciência, ou quem deles precise, depois da minha morte, do que, em vida me arrisque a perder ambas as mãozinhas, à conta desta aposta… a não ser que os tribunais julguem, pelo “Código do IVO”.

UM CAFÉ E DOIS DEDOS DE CONVERSA
Paulo Edson Cunha
Advogado