Entre a hesitação e o atrevimento, optei pelo segundo fazendo jus à irreverência do poeta que se sobrepõe ao do bem-comportado economista da vida real. (Não é que o poeta não viva também num mundo real, mas na verdade, mesmo sem se esconder num heterónimo, goza mais em percorrer tempos avançados de sonho e quimera.)
Numa pesquisa avulsa encontrei este poema, a que dei o título de Linguagem obtusa, escrito após frequentar uma ação de formação ministrada por um consultor jurídico. Traduz em muito os tempos da moda ou a moda dos tempos, isto é, de à exaustão irmos ouvindo um palavreado que nos vai colonizando. Uma linguagem técnica que fica mal quem não a use, assim pensam e agem os “papagaios” da nossa praça. Termos profusamente ditos em inglês americanizado, que são refúgio para quem julga fazer boa figura e mostrar sapiência em assuntos ditos complicados.
O pior é que já não nos basta ouvi-los em ambiente restrito senão “dá por cá aquela palha” ouvi-los em jactância debitar essas palavras em horário nobre de televisão, a horas em que o comum dos mortais quer saber de notícias e inteirar-se do que se passa no país e por esse mundo fora.
Calculem a confusão causada na maior parte das pessoas a quem a vida madrasta remeteu para o analfabetismo, a quem só o saber da vida ajuda a transformar esse palavreado em coisas proveitosas do seu dia a dia. A este propósito lembro-me sempre dum amigo de Serpa que contava uma história de um pedido num bar em que, insistentemente, pedia uma “sete upi” e o empregado se fazia mal-entendido dizendo que não tinha, até que, quase em vias de facto, encontraram solução e forneceu uma “Seven up”. Afinal de contas, uma gasosa.
Na verdade, hoje em dia, num mundo cada vez mais global em que se vai impondo a necessidade de uma língua comum, não serei crítico à sua aprendizagem e uso em ambientes que requeiram essa prática. Mas que se use e abuse em circunstâncias em que seria mais importante responder ou informar a população em geral, acho lastimoso e sinto-me triste e porque não, acho falta de respeito, a nossa língua materna não tomar o lugar que lhe é devido.
Já nos basta os banqueiros, os juristas, os financeiros, os economistas e tantos outros, terem tomado conta da nossa vida, senão ter que os ouvir palrando uma linguagem não percebida, debitada como uma encomenda, que afinal mais não é que seu modo de vida. SemMais!
Fala o “papagaio” uma linguagem técnica,
na sua língua materna pouco diz,
fala com termos anglicanos da moda
e ninguém percebe o que dizer quis.
Fala com vaidade, emplumado no sotaque,
pouco lhe interessa perceber a audiência,
vai em frente em termos discursivos,
aos outros só lhes resta a paciência.
Traz fato e gravata como se recomenda,
nem um cabelo mexe na digna careca
que reluz sapiente sem qualquer emenda.
Pode a linguagem não ser percebida,
pouco interessa já debitou a encomenda
que afinal mais não é que seu modo de vida.
(in “A Voz Das Palavras”, 2020)
José António Contradanças
Economista / Gestor