Dylan. Sempre Dylan. O tempo é aquilo que nos permite perceber. Entender. Depois saber. Exatamente o que é importante. Ou mesmo o que é insubstituível. E para a minha velha geração os músicos populares sempre foram os poetas.
Ou os poetas mais acessíveis. Aqueles que nos acompanhavam sempre. Nos desafios, nas alegrias e nas desilusões. Não comprávamos livros mas álbuns. LP’s. E cada um cheio de poemas. E quem, quem, poderá dizer que é possível viver sem poesia. Só quem passa pela vida, sem sequer se interrogar. Sobre tudo e sobre nada. Sobre o sentido do que não tem sentido. Nem nunca terá.
E acabei por citar Chico Buarque. Outro poeta da minha geração. Este em português. Português do Fado Tropical que nem foi escrito por ele. Ou talvez seja possível escrever ou dizer por interposto poeta.
Queremos, por isso e por tudo o resto, Natália Correia cantada pelo José Mário Branco. Queremos Shakespeare numa esplanada. Queremos que o Café da Casa seja sempre o que é hoje. Queremos que o La Boheme, que começou a abrir horizontes em 1988, perdure.
Já agora o Café da Casa é o que o nome indica. O La Boheme é um bar. Os dois que talvez nem se conheçam são em Setúbal. Descubram se puderem. Experimentem se quiserem.
São lugares muito para além da função. São momentos muito para além dos dias. São o tempo, mais do que o espaço, onde o Dylan e o José Afonso se podiam encontrar. Ou talvez não. Porque os encontros são muito mais difíceis do que os desencontros.
Já perceberam, não foi?
O que nos inspira é o essencial. É o que marca a nossa vida. Para o que seja. Muito ou pouco. Mais ou menos. Com dias melhores e outros também não. Por isso 39 álbuns de estúdio depois Dylan interpretou todos os tons da natureza humana. A sua poesia tantas vezes impercetível permite, exatamente por isso, uma interpretação pessoal a cada um de nós. A galeria de personagens que criou atravessou a vida de mais de um século. O protesto escondeu-se no lirismo. E o lirismo nas histórias simples (nunca o são) e complexas de mulheres e homens. Um trovador.
E assim chegámos ao dia 24 de maio de 2021. O dia em que o Bob Dylan passou a ter oitenta anos. Parabéns. A ele. E a nós que o podemos ouvir. E isso não dura para sempre. Nem para ele nem para nós. Hoje pudemos ouvir. Hoje podemos ler. Dylan. E o hoje é talvez tudo o que exista no hoje.
Turismo Semmais
Jorge Humberto
Colaborador