1.Ontem terá estreado o espectáculo “Pequeno Teatro Ad Usum Delphini Vanitas” no Museu da Marioneta, em Lisboa. Amanhã, se a meteorologia não nos trair, apresentamos “Águas dos meus cansaços” em Pegões, às 21h30, junto à escultura “Homenagem à Agricultura” de Artur Bual, ao lado da União das Freguesias de Pegões (e online, a partir dos meios de comunicação do Mural 18/AML). Estas duas produções têm muito pouco em comum, o que me agrada. Em Lisboa, é a continuação do trabalho de Luis Miguel Cintra, que começou o seu percurso no final dos anos 60 enquanto actor e encenador. Em Pegões, é uma segunda experiência na direcção de um projecto para o Pedro Nunes, que tem integrado elencos da Mascarenhas-Martins desde 2018 e faz teatro desde que nasceu (até antes, uma vez que a sua mãe integrou um espectáculo do Fatias de Cá, de Tomar, quando estava grávida).
2.O facto de a Mascarenhas-Martins estar ligada a dois projectos tão diferentes em simultâneo julgo que torna clara a vontade de estarmos para lá daquilo que está mais estabelecido na produção de espectáculos: uma identidade mais definida, quase sempre em torno de um criador ou, agora mais do que antes, de um colectivo de artistas que assina em conjunto as suas obras. Quando fundámos a companhia não tínhamos pensado em estar onde estamos hoje; é interessante perceber que a vida é muito mais imprevisível do que aquilo que podemos imaginar. Aceitámos esta imprevisibilidade e estamos a tentar integrá-la nos nossos objectivos iniciais: criar uma estrutura de produção artística multidisciplinar que, para além das criações, se preocupasse com estreitar a relação entre os diversos públicos e as actividades artísticas e culturais.
3.Se em Lisboa é mais ou menos evidente que há público para espectáculos de teatro, em Pegões não se poderá dizer o mesmo. Só pode existir público quando há actividade regular. Quando Joaquim Benite morreu, penso que foi Jorge Silva Melo que afirmou que o público de Almada tinha sido a sua obra-prima. Se considerarmos que um público é um conjunto mais ou menos estável de indivíduos que acompanha o que é apresentado num determinado espaço, ou por determinadas pessoas, percebemos a grande diferença que existe entre ser público ou ser espectador ocasional.
4.Para que exista uma relação mais forte entre a maioria dos cidadãos e as artes é preciso garantir várias condições: 1) acesso regular, a preços acessíveis, a actividade cultural diversificada; 2) que os profissionais das artes têm condições para desenvolver o seu trabalho de forma livre, mesmo que isso por vezes dê origem a desencontros com o público; 3) que seja feito um investimento muito maior em tudo aquilo que estimule a vontade de que esta relação exista, seja através da mediação, ou de uma reformulação da maneira como se pensa a comunicação das actividades artísticas; 4) que os espaços públicos (mesmo quando são geridos por entidades privadas) sejam pensados numa lógica não comercial; 5) coragem política para assumir a centralidade destas actividades no quotidiano, assumindo-as como fundamentais para o enriquecimento da experiência individual e colectiva.
À PARTE
Levi Martins
Diretor da Companhia Mascarenhas-Martins