Confúcio, conversa da treta e a novela das NUT’s

Um provérbio chinês diz que “se um homem aponta para o céu, o tolo olha para o dedo, o sábio olha para a lua”. Não sei se a frase é mesmo de Confúcio (quando hipoteticamente foi dita eu não estava lá). O que importa é que não consigo deixar de pensar nela quando esbarro com o tema das NUT’s versus Península de Setúbal.

Se o tema fosse de facto os fundos comunitários e as NUT’s há muito que o assunto estava resolvido na Península de Setúbal. Mas não é. Este ponto de vista, e a discussão em torno das NUT’s, é apenas o dedo que o tolo toma como o importante.

Lembram-se do longínquo ano de 2003 (longos 18 anos atrás)? Foi quando o Ribatejo (“tecnicamente Lezíria do Tejo”) deixou, para efeitos de fundos comunitários, a Região de Lisboa e abraçou o Alentejo. E para quem não está muito familiarizado com a geografia, Santarém é bem a norte de Setúbal. Muitos anos e muitos milhões depois (de financiamento comunitário) Santarém parece confortável e satisfeita.

Também em 2003 a Região do Oeste (no Distrito de Lisboa, imagine-se!) fez o mesmo percurso. Desta vez de Lisboa e Vale do Tejo para o Centro. Porquê? Fundos comunitários.

Portanto se o tema fosse mesmo esse há muito que a questão da Península de Setúbal estava resolvido: estávamos no Alentejo. E entretanto com muitos milhões de euros a mais. Se fosse simples, seria (tinha sido) assim.

Mas não é simples. E o que fizemos foi 18 anos de discussões estéreis. Mais acaloradas em alguns momentos como agora. Menos relevantes na maior parte do tempo.

Então onde está a lua do tal do Confúcio? Qual é mesmo a verdadeira discussão e porque não é feita? A discussão a ser feita é qual a geografia que nos define. Onde é que verdadeiramente pertencemos? Poderíamos ser Alentejo? Solução mais ou menos aceitável para o sul da Península (Palmela, Sesimbra e Setúbal) mas totalmente fora de questão para os outros 6 municípios, totalmente ligados a Lisboa.

Portanto passámos o tempo a fingir que discutíamos a questão sem verdadeiramente a discutir. E, nos últimos tempos, na versão “aquele menino (pode ler-se partido) é que é o culpado”.

Como se viu nas discussões, webinares e seminários mais recentes nenhum roteiro foi construído para resolver a injustiça das médias que artificialmente nos fazem de ricos.

Se quiséssemos mesmo resolver há muito que tínhamos feito o que o Ribatejo e o Centro fizeram.

Mas não! Nós queremos ser Lisboa e qualquer outra coisa para efeitos de fundos comunitários. Queremos, na verdade, uma impossibilidade como os últimos 18 anos demonstram.

A solução peregrina da Península de Setúbal ser NUT II com 9 municípios, comparando com os 100 da NUT II Centro ou os 58 da NUT II Alentejo, é mais uma não solução para alimentar a próxima década de discussões. Ninguém percebe que existe um problema de escala? E portanto enquanto nós continuamos a discutir os outros recebem milhões.

Dada a incompatibilidade de génios entre o norte e o sul da Península a solução será sempre estreita e precária. Sermos (de novo, depois do disparate de 2013) NUT III (que não garante por si só o acesso aos fundos que tanto desejamos) e negociar uma descriminação positiva (mais do que justa) no contexto da Área Metropolitana de Lisboa.

Saberemos fazer isso? Temos de o fazer mas discutindo a sério e não gastando anos em conversa da treta. Ou a alternativa é fazermos as malas e irmos para o Alentejo.

Simples? Não! Complexo! Parece- me que naturalmente pertencemos à AML. Mas não a qualquer preço. Milhões de euros a menos depois temos que ter o roteiro que junte NUT III (NUT II não parece fazer qualquer sentido) com a aceitação das nossas particularidades que são sermos bastante mais pobres do que os 9 municípios da margem norte do Tejo.

Fica naturalmente uma pergunta por responder: será que esses outros 9 municípios (anteriormente designados por Grande Lisboa) aceitam? E essa resposta fará toda a diferença. Se for uma não resposta sejamos, por uma vez, pragmáticos e pensemos no outro lado do Sado.

Turismo Semmais
Jorge Humberto
Colaborador