Região em peso pede ao primeiro ministro criação da NUT

A região em peso clama para que o primeiro-ministro desate o nó da criação das NUTS III e II para a península de Setúbal. É a corrida contra o tempo, que começa já em agosto, caso contrário continua o atraso e a perda de milhões em fundos comunitários.

A criação da NUT III e II para que a península de Setúbal beneficie de uma estratégia, programa operacional e fundos próprios está agora nas mãos de António Costa que, quarta-feira, foi confrontado com uma carta aberta dirigida por dezenas de entidades públicas e privadas da região.

O grupo de subscritores, liderado pelas principais instituições do território, incluindo a totalidade dos presidentes das câmaras, pede ao primeiro-ministro que formalize o processo de reposição da NUT III e dê andamento ao estudo para a criação de uma NUT II.  A ideia é “retificar o erro”, gerado em 2013, no Governo de Passos Coelho, com a inclusão da península na NUT da Área Metropolitana de Lisboa (AML), e ainda a tempo de obter mais fundos do quadro comunitário de apoio que vigorará após 2027.

E não há tempo a perder, já que para se alcançar esse objetivo o Governo terá que fazer uma comunicação oficial a Bruxelas até final de agosto e formalizar todo o processo até 31 de janeiro de 2022.

Em jeito de apelo, as dezenas de entidades e agentes da região lembram que o Governo já havia assumido o compromisso público, a 4 de junho, de restaurar a NUTS III de Setúbal e estudar a criação de uma NUT II específica para a península. Mas até agora, reclama Nuno Maia, diretor-geral da Aiset – Associação Industrial da Península de Setúbal, “nada aconteceu”.

É o mesmo dirigente que faz a pergunta para um milhão de euros: “Gostávamos de saber o que mais falta fazer para avançar o processo, quando toda a região está consensualizada em torno desta urgência”. E a urgência significa resolver a assimetria entre a zona Norte da AML e a margem Sul do Tejo, que tem vindo a ser prejudicada no apoio ao investimento público e privado, ao ponto de perder mais de 2 mil milhões a cada quadro comunitário de apoio. “Só o primeiro-ministro, que ainda não nos quis receber em audiência, poderá responder a este anseio e honrar o compromisso assumido pelo seu Governo”, acentua Nuno Maia ao Semmais.

 

Acabar com a inquietação e uma inércia sem razão

Por outro lado, refere o signatário, já foram aprovadas na Assembleia da República vários projetos de Resolução para que seja reposta a NUT III para a península e que se estude a reformulação das NUTs II, por forma a beneficiar a região e o país. E acrescenta: “Não se percebe esta inércia. Não há razão para o processo não andar, não há impedimentos constitucionais nem legislativos. A resposta é fácil e temos que acabar com esta inquietação”.

Na apresentação pública da carta-aberta, José Ferreira, vice-reitor da Universidade Nova, considerou “inqualificável” a discriminação da península no acesso aos fundos e ao desenvolvimento.  Sobretudo a partir do momento em que foi integrada na NUT III AML, perdendo as suas estatísticas regionais que a colocam, em termos de coesão, com um rendimento ‘per capita’ muito abaixo da maior parte dos concelhos da margem Norte do Tejo, e sempre em grande divergência com o rendimento médio nacional e europeu, sendo que, em relação a este último, essa diferença situava-se, em 2016, em 55 por cento.

Neste contexto, a carta dirigida a Costa sublinha ainda a região pode vir a perder mais 2 mil milhões de euros até 2027, “apenas por se considerar a península de Setúbal – com 800 mil habitantes, 8% da população do país – como um território estatisticamente rico, quando na realidade é um território a precisar de reforçar a sua coesão económica e social”.

E lembra ainda que é preciso “assegurar a não diminuição do financiamento a toda a AML, e que se propicie acrescentados fluxos compensatórios para a península, através de todos os instrumentos disponíveis, nomeadamente o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, a chamada ‘bazuca’ de Bruxelas.

 

Só uma NUT III específica pode arrastar mais fundos

Com o otimismo em banho-maria, o presidente da AMRS – Associação dos Municípios da Região de Setúbal, Rui Garcia, avista um cenário possível da criação da NUT III, mas reafirma que isso não resolve totalmente o problema. “A região precisa que seja reposta a justiça neste processo administrativo, que só se resolve com a NUT II Península de Setúbal, a que garante financiamentos e acesso aos fundos, de forma a resolver esta enorme assimetria que se criou”, afirma ao Semmais o líder da AMRS e do município da Moita.

A não chegada de fundos majorados é também apontada pelos grandes empresários como fator crítico à competitividade, numa fase em que a indústria 4.0, a digitalização e Pacto Ecológico Europeu pedem investimento. A empresária Leonor Freitas explica ao Semmais que nos últimos anos podia ter feito “ainda mais investimentos e criado mais emprego” se a Casa Ermelinda Freitas, uma das maiores vitivinícolas da região, tivesse tido o mesmo nível de financiamentos e fundos que outras empresas do setor instaladas em outras zonas do país. “É uma injustiça para os nossos empresários e para esta península com tanto potencial”, afirma.

A provar o amplo consenso que se gerou na região nesta luta pela reposição da NUT, a presidente da câmara de Almada, Inês de Medeiros, disse que este processo deve obedecer a um princípio básico assente na “igualdade e na justiça e não se faz por estatística”. “Não entendemos como foi possível alterar esta realidade em 2013 e não compreendemos por que ainda não se resolveu”. E aludindo à “boa dinâmica” da AML, com “políticas extraordinárias” no quadro metropolitano, afirmou que é imperioso que a península “recupere atrasos que não são de hoje”.

Com o tempo a correr, cabe agora ao primeiro-ministro dar a última palavra e gerir algumas divisões no seio do seu Governo. Desde logo entre a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, cujas posições têm sido de avanços e recuos; o seu secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Carlos Miguel, que não tem manifestado grande interesse pelo dossier e o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, favorável a esta solução.