Nunca os ingleses, em plena II Guerra Mundial, imaginaram que as tropas que derrotaram Rommel no deserto egípcio haveriam de dar nome a uma organização setubalense que até a cavalo e de traineira ia ver o seu clube jogar.
O clube deixou de participar nas provas profissionais de futebol, a pandemia fechou estádios e afastou os adeptos, as receitas caíram a pique tal, como em muitos casos, muita gente perdeu o trabalho e o salário. Um mar de contrariedades que, no entanto, não serviu para afundar o VIII Exército, a mais antiga claque portuguesa conhecida e que, tanto como dignificar o Vitória Futebol Clube, pretende promover o nome de Setúbal.
“Vamos a todo o lado, seja em casa ou fora”, diz ao Semmais o presidente da Associação VIII Exército, António Serra, explicando que “o apoio ao Vitória é, também, o apoio à cidade e a sua divulgação por boas causas”.
“Hoje, por causa da pandemia, não estamos a realizar excursões, como até há pouco tempo era habitual. Mas não deixamos as nossas equipas abandonadas e, mesmo nas competições amadoras, continuamos a deslocar-nos. Vamos em viaturas próprias e levamos o nome da cidade a todo o lado”, afirma o dirigente da mais antiga associação de adeptos que se conhece em Portugal.
A cavalo, de bicicleta ou de traineira, sempre atrás do clube
O nome de VIII Exército surgiu na época de 1942/43. Nessa ocasião o clube atingiu a sua primeira (de dez) presenças na final da Taça de Portugal. O jogo disputava-se em Lisboa, no antigo Campo das Salésias, e o adversário era o Benfica. Bairristas, os sadinos mobilizaram-se para prestar apoio a uma equipa que apenas numa ocasião, em 1926/ 27 estivera na discussão de um Campeonato de Portugal (antecessor da Taça de Portugal), tendo então perdido por 3-0 ante o Belenenses.
Foram muitos os milhares de setubalenses, gente de todas as idades e condições sociais, que no dia da final chegaram a Lisboa. Não era uma tarefa fácil fazer os atuais cerca de 50 quilómetros de distância entre as duas cidades e, enquanto muitos conseguiram ir de carro fazendo um percurso de muito maior distância que o atual (também não existia a antiga ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, que seria inaugurada em 1951), outros fizeram o mesmo trajeto, mas de bicicleta e até a cavalo. Também houve quem tivesse chegado à capital a bordo de um antigo barco a vapor e, até, em traineiras, conforme referem os testemunhos narrados pelos jornais da época.
Na baixa lisboeta o entusiasmo dos setubalenses era tanto (cantavam uma marcha composta por aquele que viria a ser o fundador do VIII Exército), que alguém, entre a mole humana, se lembrou de dizer que os festejos eram idênticos aos do 8º Exército, a força militar inglesa que, a 23 de outubro de 1942, derrotara o exército alemão liderado por Rommel (a Raposa do Deserto) na batalha de El Alamein, no Egipto. Foi aí que nasceu o nome da primeira claque oficialmente batizada em Portugal.
“O espírito do VIII Exército ainda se mantém. Os adeptos deste grupo continuam a viajar sempre com as nossas equipas, mesmo quando, por causa da pandemia, não podiam entrar nos recintos desportivos. Em qualquer local do país, onde se deslocasse uma equipa do Vitória, lá estava sempre um grupo de adeptos”, explicou por sua vez o diretor do departamento de marketing do clube, Alexandre Miguel Ramos.
Caixa
Totalmente contra o Cartão do Adepto
O presidente do VIII Exército diz que esta claque é “total e frontalmente contra o Cartão do Adepto”. “É algo que não se justifica e que só serve para encarecer o futebol. Aumenta as despesas de quem pretende apoiar as suas equipas, porque obriga as pessoas a comprar bilhetes para áreas mais caras”, diz António Serra, que não poupa críticas ao Governo por ter instituído esta medida. “As claques que assim se quiseram constituir já estão legalizadas há muitos anos e os seus adeptos estão devidamente identificados, até porque as atualizações das listagens são obrigatórias. O que o Estado pretendeu fazer foi identificar os adeptos do Benfica que não se quiseram constituir como claques organizadas”, adiantou.