Práticas culturais dos portugueses

Esta semana foi apresentado o resultado do inquérito “Práticas culturais dos portugueses”, encomendado pela Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com coordenação de José Machado Pais, Miguel Lobo Antunes e Pedro Magalhães. Sem grandes surpresas, constata-se a fraca relação com as actividades culturais, concluindo-se, por exemplo, que 93% da população tem um baixo consumo cultural, tendo em conta um universo de actividades que inclui teatro, ballet, dança, ópera, cinema, circo, concertos, festivais e festas locais. Embora não constitua novidade, a importância deste estudo é inegável, na medida em que vem inscrever no espaço público, de forma séria, dados que podem e devem influenciar decisores e agentes culturais, não deixando, a meu ver, de interpelar também quem tem responsabilidades na área da educação.

Penso que hoje não haverá grandes dúvidas acerca do valor do acesso à cultura na formação de cada indivíduo. Porém, continua a faltar coragem política e visão para integrar a participação cultural nas prioridades políticas para o futuro próximo, como se pode verificar, por exemplo, na quase completa ausência deste tema na campanha para as eleições legislativas. Pergunto-me muitas vezes o que faltará para que esse passo seja dado de forma definitiva, não me excluindo da responsabilidade que sei ter enquanto cidadão e agente cultural. E ainda não consegui, dessa permanente interrogação, obter uma resposta satisfatória. Ocorre-me, no entanto, numa reflexão mais baseada na prática do que na teoria, que enquanto as oportunidades de acesso forem pouco regulares e muito pouco diversificadas, será difícil sairmos desta situação. É um círculo vicioso: se numa determinada comunidade não há oferta cultural suficiente, as oportunidades de estimular o contacto são escassas; se as oportunidades são escassas, é pouco provável que exista uma modificação dos hábitos culturais dessa comunidade, mantendo-se o desinteresse generalizado; não existindo interesse, parece não existir público suficiente para que se justifique o investimento numa oferta mais regular e diversificada. Ou seja: a decisão, neste caso, é contraintuitiva, uma vez que a única forma de quebrar o ciclo consiste em investir e aumentar a oferta e as oportunidades de contacto, mesmo que isso pareça, pelo menos durante algum tempo, uma causa perdida. Não é só uma decisão política, também é necessário que haja agentes culturais que se disponibilizem a percorrer este caminho difícil, cujos resultados são frequentemente invisíveis e, por isso, lentos e frustrantes.

Pela parte que toca à Mascarenhas-Martins, não estamos alheados destas preocupações e temos sempre tentado pensar a nossa estrutura também enquanto plataforma de contacto entre nós, profissionais das artes, e as pessoas da nossa comunidade, tanto as que já participam e acompanham o nosso trabalho, como as que são público potencial. Nem por acaso, neste momento a nossa equipa encontra-se a desenvolver um projecto que irá basear-se em contributos recolhidos nas diversas freguesias do Montijo, num apelo à participação da comunidade na construção de um espectáculo. Mais do que a preocupação com a relevância do objecto artístico que daí resultará, interessa-nos compreender de forma mais concreta quais os interesses e inquietações das pessoas que nos rodeiam. É uma produção que se baseia mais no processo do que no resultado, tratando-se do tipo de investimento que podemos fazer, à nossa escala, no estreitar da relação entre cultura e comunidade. “Só há título no final” é o nome desse projecto. Quem habita no concelho do Montijo está convidado a participar através das nossas redes sociais, site, ou contacto directo connosco.

À PARTE
Levi Martins
Diretor da Companhia Mascarenhas-Martins