O mundo mudou mas o programa do governo não

O mundo mudou. Esta década acarreta inúmeros desafios para os governantes. Para todos nós, como comunidade local e global. As atrocidades da guerra à qual hoje assistimos em direto, impõem uma ponderada reflexão sobre variadíssimos temas. Desde logo a defesa e segurança das nações, perante o desejo hegemónico dos déspotas. O dia 24 de fevereiro veio provar que estamos à mercê da loucura alheia. A Europa, que durante muitos anos viveu na sombra da manutenção da paz, tem agora pela frente, por ventura, o maior desafio do projeto europeu, que é repensar uma política comum de defesa e segurança, tantas vezes adiada.

Também a guerra, nos obriga agora a refletir sobre a política agrícola comum, face à extraordinária dependência externa de bens essenciais. Temos de repensar se os apoios à não produção continuam a corresponder aos nossos interesses ou se o próprio ordenamento do território e a utilização dos solos não deve merecer uma nova configuração. Revisitar o setor primário é um imperativo que não devemos adiar.

A crise energética que já se fazia sentir, face à pandemia mundial, assumiu a dimensão de um meteorito que nos caiu diretamente no bolso, sem dó nem piedade. A desigualdade entre as nações no acesso a bens essenciais, onde se inclui a energia, acentuará de forma inexorável a pobreza e a fome. Combustível, eletricidade e gás natural, conceitos normalizados no nosso quotidiano, tornaram-se verdadeiros luxos que fazem perigar toda a atividade económica mundial.

Outra vez a guerra, veio provar que o tráfico de seres humanos em contexto de guerra é uma realidade, que a violação sem punição é uma arma de guerra, que o massacre gratuito de civis é o corolário do total desprezo pelos direitos humanos, além do desrespeito pelo direito internacional.

O tema “refugiados” recoloca na agenda internacional a necessidade de acolhimento das pessoas que fogem de cenários de guerra e os apoios que os países de acolhimento devem receber. Sabemos da generosidade da comunidade civil mas a caridade não basta. Sem dúvida que o acolhimento é uma obrigação moral, antes de mais. Não está em causa. Mas em regra, são os Municípios e o terceiro setor que em última instância assumem indefinidamente tais necessidades.

Problemas latentes que se tornaram explosivos com a guerra e que obrigam à reflexão e à ação. Era expectável que o programa do governo correspondesse, de alguma forma, aos velhos problemas, agora agudizados. Era expectável que o programa de governo não ignorasse a inflação galopante, a crise energética, o aumento trágico das matérias-primas e a insuficiência da produção agrícola nacional. Mas não. O mundo mudou mas o programa do governo não.

Sónia Ramos