O despacho de arquivamento não encontrou ação dolosa dos dirigentes da Segurança Social e a ação investigativa comprovou ter havido uma troca de listagens nas autoridades de Saúde, que gerou um erro de procedimentos em cadeia.
Uma troca de listagens que circularam entre autoridades de saúde e as cúpulas nacional e distrital da Segurança Social terão estado na origem de um “lapso em cadeia” que levou à vacinação indevida de dirigentes e técnicos do Centro Distrital da Segurança Social de Setúbal (CDSSS), incluindo a então diretora, Natividade Coelho, que se veio a demitir na sequência do alegado escândalo, ocorrido em janeiro do ano passado.
O despacho de arquivamento exarado pelo Procurador da República junto da Comarca de Setúbal, João Ilharco, desmonta qualquer “intenção dolosa” por parte dos intervenientes, suscetível de integrar a prática dos crimes de peculato ou de recebimento indevido de vantagem de que vinham acusados. Sobretudo por lhes ter sido inoculada a primeira dose da vacina contra a Covid-19, em desrespeito pelas regras do Plano Nacional de Vacinação que prioriza idosos e outros grupos de risco.
De acordo com o mesmo documento, a que o Semmais teve acesso, na origem deste caso, que na altura despoletou uma onda de grande indignação na opinião pública, terá estado a circulação de uma última listagem de estruturas residenciais para idosos (ERPI) e IPSS enviada pelo Ministério da Saúde, a fim da vacinação, na qual, no caso concreto, ‘o nome de uma instituição beneficiada foi retirada, devido a um ajuste de campo do formulário, mantendo-se o nome de “Instituto da Segurança Social, IP’.
Designação do CATI no centro do erro das autoridades
A instituição em causa era o CATI – Centro de Apoio à Terceira Idade, integrado na Segurança Social, mas cuja gestão havia sido delegada à Santa Casa da Misericórdia de Setúbal. Por essa razão, o lote correspondente à vacinação de 78 utentes e 48 funcionários foi enviado sem mácula para vacinação do pessoal do CDSSS, mesmo com as dúvidas então levantadas pela diretora Natividade Coelho junto do ACES – Arrábida, entidade do Ministério da Saúde que as tinha remetido. Este processo de vacinação decorreu no dia 21 de janeiro de 2021. Cinco dias depois, entretanto, os utentes e funcionários do CATI foram inoculados com a primeira dose da respetiva vacina.
O despacho conclui ter ficado claro que entre meados de dezembro de 2020 e até 21 de janeiro de 2021 ‘circularam em paralelo duas listagens de ERPI e IPSS relativas ao distrito de Setúbal’, uma contendo a designação correta das instituições e outra versão incorreta, nomeadamente em relação ao CATI, devido a um ‘lapso no Ministério da Saúde. Isto porque este organismo do Estado ‘substituiu as listagens corretas que havia recebido quer por parte do ACES Arrábida, quer do próprio Centro distrital da Segurança Social’.
Neste sentido, o Ministério Público, refere que apenas o diretor do ACES Arrábida, Luís Pombo, deu conta do lapso, mas nunca obteve resposta da tutela, tendo confirmado, por essa razão, o processo de vacinação dos funcionários e dirigentes da Segurança Social de Setúbal.
Ex-diretora nada surpreendida acreditou sempre na verdade
Confrontada com o encerramento do processo que a levou a demitir-se do cargo a 29 de janeiro de 2021, devido a uma denúncia anónima, Natividade Coelho referiu ao Semmais não haver “nada de surpreendente no despacho”, uma vez que sempre acreditou na verdade.
A ex-diretora do CDSSS mostra satisfação pelo facto de na fase de inquérito “ninguém ter mentido nem omitido nenhum dos factos”, até porque, acrescenta, “há troca de e-mails e outra documentação que provam todos os passos destes procedimentos, incluindo as tentativas que fiz para apurar se as ditas vacinas tinham mesmo por destino a segurança social”. “Era impossível sair mal disto!”, acrescenta.
Não deixa de lamentar que tenha sido a cabeça da própria a rolar, devido ao que considera ser “o pecado original das relações de poder e da comunicação social”. Uma angústia, porque, afirma, “nestes casos não importa se é verdade ou mentira, o que interessa é retirar do caminho para ver se órgãos de comunicação se calam”.
“Ninguém me obrigou a demitir, mas fui obrigada por mim mesma, uma vez que me faltou a confiança da tutela. Não havia nada mais a fazer perante as circunstâncias”, salienta. Agora, não quer desculpas. “Dispenso e agora também seria tarde. O que importa é que não houve nenhum idoso nem idosa que tivesse ficado sem vacina por causa deste infeliz processo”, finaliza.