Mobilidade desorganizada

Maria (nome fictício) vive em Azeitão e trabalha na baixa de Setúbal. Por falta de alternativa nos transportes públicos estava obrigada a utilizar o seu próprio veículo para se deslocar diariamente para o seu local de trabalho. Pensou Maria que o novo plano de mobilidade anunciado pela Camara de Setúbal com pompa e circunstância na habitual página de Facebook, com as fotos da praxe que tanto agradam aos decisores públicos, iria finalmente permitir que poupasse algum tempo e dinheiro nas suas deslocações. Mais uma vez a sua desilusão ficou patente na total falta de organização e pensamento estratégico deste executivo, pois a preparação exige mais do que autocarros de uma cor diferente e de interfaces inaugurados prematuramente. Não precisamos de uma imaginação fértil para perceber o que será um dia típico para a Maria, agora que não consegue estacionar o seu carro perto do local de trabalho, senão vejamos:

06:45: como não existem informações disponibilizadas sobre as carreiras de e para Setúbal, e a circular de Azeitão só começa as 08:30, terá de usar a sua viatura particular para se descolar até Setúbal.

07:15: Chegada a Setúbal, terá agora de deixar o carro num dos parques periféricos da cidade, na verdade apenas um é conhecido ao dia de hoje e situa-se na “central” zona da Várzea. Tendo o azar de ser um dos raros dias que chove na margem norte do rio azul, arrisca deixar o veículo no parque que supostamente daria para 510 veículos, mas que mais não é que um descampado que levou parcialmente uma camada de brita, tentando rapidamente corrigir um erro básico de logística.

08:25: Apos 10 minutos a tentar encontrar a paragem de uma imaginária carreira circular, decide aventurar-se numa caminhada de 20 minutos até ao já velhinho Interface, inaugurado em Setembro de 2021.

08:45: Chega finalmente ao ITS e, como não há numeração nem tão pouco tem bilhete, decide ir à bilheteira onde chega completamente encharcada porque que alguém se esqueceu de fazer uma passagem coberta. Após adquirir o bilhete, percorre desanimadamente o terminal tentando perceber junto de qual das placas deve aguardar o seu autocarro.

09:10: decide continuar à espera que o autocarro chegue apesar de, segundo o horário que lhe foi distribuído, já devessem ter passado dois. Certamente foram suprimidos ou estão atrasados, lembra-se Maria de ter lido que existia falta de motorista disponíveis.

09:42: Chega finalmente ao local de trabalho, 42m atrasada e perdendo por isso o seu prémio de assiduidade mensal que tanto jeito lhe faz, uma vez que é isento de tributação, única forma de conseguir levar algo mais para casa sem que o Estado tente abocanhar o seu esforço.

Obviamente que uma nova frota de autocarros e um interface junto da estação ferroviária são elementos essenciais para melhorar a mobilidade em Setúbal, mas a forma atabalhoada e desorganizada como a camara lidou (e continua a lidar) com este processo não augura nada de bom para o futuro, parecendo que a preocupação com os munícipes que precisam de utilizar o transporte não são devidamente acautelados. Criticamos a preparação, a falta de cuidado e zelo que este executivo não tem conseguido demonstrar ser capaz de fazer, existe ainda muito para melhorar no tratamento que é merecido às populações de Setúbal.

E ainda falta o complexo problema de gestão da água e resíduos, de que falaremos brevemente, esperando sinceramente que não se paute pelos mesmos critérios que observámos em relação aos transportes.

PS: À hora que estiver a ler este artigo, um milagre pode ter acontecido e meses de falta de planeamento, de falta de preparação de recursos, resolveram-se de um dia para o outro. De facto, depois de tão fraco arranque, as coisas só podem melhorar.

Carlos Cardoso
Gestor