Como aceitar este horrível submundo social…

O alegado homicídio de Jéssica, de três anos de idade, em Setúbal, é medonho e é um tremendo choque para todos nós. Um caso macabro, deprimente, que atenta, de forma aberrante, contra a dignidade da pessoa, esse bem supremo, e relembra-nos da capacidade inata do ser humano para fazer o mal.

O tema é muito sério, e embora já haja alguns indícios sobre o que se terá passado – tudo indica estarmos perante um ato de banditismo, um crime hediondo, com uma criança a servir vinganças, rixas pessoais ou moeda de troca para represálias – levanta algumas questões pertinentes. E leva a um disparar para todo o lado nesta espuma dos dias.

É natural, perante a dimensão do sucedido, que se aponte o dedo a tudo o que mexe. A mãe eventualmente negligente, a avó materna que saberia dos descuidos caseiros mas que não agiu, o padrasto que sabia pouco, o pai separado que também descuidou, os vizinhos que nada ouviram nem nada fizeram, as polícias que deveriam ter feito qualquer coisa, a CPCJ que podia ter avançado mais e a justiça que arrepiou caminho.

São muitos os quês e os porquês deste caso que, pelos vistos, pouco terá a ver com a sinalização da criança, com a ação concreta das autoridades de proteção de menores e até com a justiça. Aparentemente é isso. Um crime atroz ocorrido numa espécie de submundo moral.

O que importa, para já, e ainda sem haver desfechos concretos do crime e das investigações, mas havendo gente detida à guarda do processo, é atender ao desnorte destas famílias desestruturadas, incapazes, muitas vezes, de zelar pelas suas crianças e, como se vê neste terrível cenário, pelas suas próprias vidas.

O país tem uma legislação robusta e recursos que, no terreno, juntam equipas multidisciplinares que cobrem toda as estruturas que zelam pelos direitos das crianças e pela sua segurança. E apesar da criança ter estado sinalizada, de ter havido um processo para o Ministério Público, que o terá arquivado, nada indicia ter havido razões palpáveis para a falha ter sido do Estado.

E é bom lembrar que, às vezes, também se dá o contrário, gerando-se outro tipo de injustiças, com a retirada de crianças aos pais sem causa substantiva ou denúncias de interesse.

Nem vai ser possível, perante a sociedade de hoje, acabar com esta miséria social, este submundo que torcida a ética dos valores, esta chaga que corroí a vida em sociedade.

A Jéssica é mais uma vítima a juntar a tantas e tantas outras ‘apanhadas’ neste caldo de culturas e de mentalidades, de que a violência doméstica não raramente, é o rastilho e o detonador. Que se faça verdadeira justiça!

Raul Tavares
Diretor