Espécies invasoras ameaçam equilíbrio no Sado

Cientistas alertam para os prejuízos ecológicos, económicos e para a saúde. Estudo europeu recente aponta algumas das espécies mais nocivas e faz recomendações para evitar propagação.

As espécies invasoras e exóticas, sejam animais ou plantas, são um problema comum a toda a Península Ibérica, a todo o país e, por consequência, afligem também os cursos de água do distrito. Os prejuízos que causam, embora quase impossíveis de quantificar, são ambientais, económicos e para a saúde. O problema, que já se verificava no final do século XIX, agudiza-se há vários anos. O projeto europeu Life Invasqua permite concluir que é na bacia hidrográfica do Sado que existem as maiores adversidades.

“Um dos problemas principais que este estudo permitiu detetar tem a ver com a arzola, uma planta originária da América do Sul e também da América do Norte, que forma uma espécie de película sobre a água e não permite a entrada de água ou operações gasosas, criando enormes danos à biodiversidade. É um problema que ocorre em quase todo o lado, mas com muita incidência nos territórios mais a Sul, e onde naturalmente se inclui a bacia do Sado, porque se verifica sempre em zonas de águas mais paradas (o Sado apresenta especiais problemas durante o verão, com largos trechos secos ou quase)”, explicou ao Semmais o docente na Universidade de Évora e investigador do MARE – Centro de ciências do Mar e do Ambiente, Pedro Anastácio.

Outra das plantas invasoras que, de acordo com o mesmo académico, causam grandes da-nos em todos os cursos de água do país são os jacintos de água. “Este foi, claramente, um problema que surgiu por incúria das pessoas. A planta apareceu no país com o intuito de ser meramente ornamental e, devido à sua disseminação, acabou por invadir quase todas as grandes superfícies”, adiantou.

Lagostins, ameijoas japonesas, mexilhão zebra…

Entre as espécies animais que ocupam boa parte dos cursos de água do distrito sem que sejam autóctones, contam-se as carpas, os achigãs, os lagostins vermelhos do Louisiana e também o mexilhão zebra.

“Algumas destas espécies já se encontram na Península Ibérica, em Portugal e no distrito de Setúbal há muitos anos. O achigã, por exemplo, chegou na década de 1950. Nessa altura o Estado até publicitou a sua chegada, anunciando este peixe, que come as outras espécies, como um grande incentivo para a pesca”, disse o investigador.

“Também temos assistido à proliferação, no Sado, do peixe-gato negro. Esta é uma espécie especialmente prejudicial, uma vez que dizima todas as restantes. Até existem gravações que mostram estes peixes a saltarem para as margens para atacarem e comerem pombos”, referiu. Para Pedro Anastácio, esta espécie, assim como o lagostim vermelho do Louisiana, não deveriam ser impedidas de ser capturadas: “Não entendo o porquê de não se poder comercializar o lagostim para Espanha, como aconteceu há alguns anos. Era um fator de controlo muito importante de um animal que chega a deslocar-se por alguns quilómetros até encontrar cursos de água onde possa viver e, em simultâneo, também era importante em termos económicos. São espécies que têm efeitos muitos negativos sobre a biodiversidade e para os quais há muito pouco a fazer, uma vez que já se encontram dispersos por todo o lado”.

Na tabela elaborada para o programa Life Invasqua os lagostins possuem a maior pontuação entre o lote de espécies mais prejudiciais (a chamada Lista Negra, que inclui 24 espécies), sendo que existe uma segunda catalogação, a Lista de Alerta, onde constam 89 espécies.

Já o mexilhão-zebra é um problema mais recente. Pedro Anastácio diz que se trata de uma espécie que surgiu há algumas dezenas de anos na Península Ibérica e que é responsável, em Espanha, por “milhões de euros de prejuízos”. “Inflitam-se em todo o tipo de canalizações, obstruindo-as e destruindo-as, sejam de dimensões muitos reduzidas, de apenas alguns centímetros, ou em canais de transva-se. Esta espécie, que é originária do Leste europeu, foi detetada precocemente no reservatório do Alfundão, próximo da Barragem do Pisão, no Guadiana. Graças a essa intervenção da EDIA foi possível suster o avanço e evitar prejuízos como os que tem causado em Espanha, ou na Flórida, Estados Unidos. Além disso, é um animal que não tem qualquer valor comercial e que só acarreta problemas ecológicos e económicos”, refere o docente da Universidade de Évora (um dos 49 entre portugueses e espanhóis que trabalharam na elaboração do Life Invasqua).

Especialistas dizem que prevenir é o melhor remédio

Pedro Anastácio não tem dúvidas e afirma que a prevenção é a melhor solução para travar a invasão de espécies que podem ser muito prejudiciais para o país. “Há três aspetos a ter em conta. O primeiro prende-se com os pescadores. O segundo tem a ver com os outros utilizadores das massas de água e o terceiro diz diretamente respeito aos animais de estimação que as pessoas possuem”, diz o investigador.

Especificando, o especialista refere que os “pescadores não podem nem devem introduzir qualquer espécie e, além disso, devem tomar especiais cuidados com os seus objetos, não os utilizando numa água diferente sem que antes os lavem, desinfetem e sequem convenientemente. Também não devem lançar à água o isco vivo sobrante no final de uma pescaria. Por outro lado, sempre que capturam uma espécie invasora, como por exemplo o peixe-gato, não a devem devolver à água”.

Por sua vez aos utilizadores das massas de água, como por exemplo os desportistas, recomendam-se especiais atenções com todos os equipamentos, nomeadamente embarcações ou fatos, uma vez que estes podem transportar larvas ou pedaços de plantas.

Por fim, sobre os animais de estimação, o professor da Universidade de Évora lembra que um dos maiores erros que se cometem é, por exemplo, soltar na natureza os animais que já não querem em casa. Tal sucede, amiúde, com cágados e tartarugas, mas também com restos de plantas exóticas. “Este é um risco muito elevado, havendo conhecimento de um número muito grande de libertações”, diz.