O ataque à crise habitacional empreendido por Costa e pela maioria socialista tem uma dose de coragem, mas também agrega alguns riscos e perigos. A reforma do setor, a que muitos governos nunca conseguiram deitar mão, tem sido uma chaga. Mas há nuances que importa trazer à liça.
O primeiro problema é a especulação imobiliária, comandada por instituições bancárias e por construtores que levam a ganância ao extremo, aproveitando-se dos contextos e desta necessidade básica, o direito à habitação, consagrado na Constituição como um dos seus primeiros pilares.
Mas há ainda um terceiro grande paradoxo, que ninguém estuda. A construção de novos imóveis não tem cessado grandemente; tem havido mercado para os comprar sem grandes entraves, e tudo isto quando – a fazer fé nos últimos dois censos, que agregam vinte anos para trás – a população tem vindo a diminuir de forma constante.
Dá ideia de que os novos fogos, que em muitas zonas urbanas têm nascido como cogumelos, têm feito nascer grandes massas de casas desabitadas, degradadas e sem qualquer uso. Mas será assim?
A questão é que uma parte do país, a começar pela chamada classe média, não detém rendimento suficiente para adquirir casas novas e vai fazendo emergir uma grande onda de famílias a braços com este problema. A juntar, diga-se, aos mais desfavorecidos que fecham a cauda deste ciclo vicioso.
Neste sentido, na regulação do setor, as medidas de Costa são positivas. Mas a intervenção direta no mercado pode ser perniciosa e abrir janelas de atropelo ao Estado democrático, nomeadamente o atentar contra o direito de propriedade.
Se a ideia é ‘obrigar’ os proprietários, a começar pelo Estado, a devolver casas devolutas ao arrendamento e à venda a custos mais acessíveis, parece bem e é uma urgência. Mas é preciso acautelar a propriedade privada. Que se estude a melhor forma de o fazer sem se criarem situações de não retorno, que mais lembram outros sistemas políticos.
O pior que nos pode acontecer é o virar do avesso de um benigno pacote legislativo, cheio de boas intenções e muitos esforços financeiros, numa misturada tal, que emperre algumas destas reformas.