A Associação Nacional de Municípios pediu ontem que seja suscitada a inconstitucionalidade da lei que criou uma nova NUTS (unidade territorial) para maior acesso da Península de Setúbal a fundos comunitários, considerando que prejudicou seis outros municípios metropolitanos de Lisboa.
Ouvida no parlamento sobre a lei aprovada em dezembro, no âmbito de um requerimento do PSD, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) defendeu ainda a realização de “um estudo aprofundado sobre a matéria” tendo em conta a coesão do todo nacional e também para que possa ser corrigida a situação dos municípios prejudicados.
Segundo o vice-presidente da ANMP Hélder Sousa (PSD), também presidente da Câmara de Mafra, um dos municípios prejudicados é o seu, juntamente com as câmaras de Vila Franca de Xira, Loures, Odivelas, Amadora e Sintra, que, ao manterem-se na Área Metropolitana de Lisboa (AML) para efeitos de fundos, são lesados pela média que fazem com os municípios mais ricos de Lisboa, Oeiras e Cascais, quando têm um Produto Interno Bruto (PIB) muito inferior.
“Estes presidentes de câmara estão altamente insatisfeitos, lesados. Eu não digo que foi propositado, mas de facto há necessidade de, em primeiro lugar, suscitar a constitucionalidade da lei aprovada, porque o princípio da igualdade foi naturalmente beliscado”, referiu Hélder Sousa, considerando que também a Assembleia da República foi responsável na “injustiça” criada pela proposta apresentada pelo Governo, porque a aprovou “eventualmente sem dados objetivos para poder tomar a decisão, participou e propiciou que esta injustiça se instalasse”.
“Em segundo, exigir ao Governo um estudo urgente sobre esta matéria de nível nacional, para que na primeira oportunidade se possa ir junto do Eurostat e corrigir este azimute. E, em terceiro lugar, também porque é competência desta Assembleia, […] estes municípios devem ser compensados através do Orçamento do Estado no que diz respeito aos investimentos públicos de que precisam para manter a sua competitividade”, defendeu.
Segundo o autarca, a ANMP não pretende prejudicar Setúbal ou o Oeste, considerando que as alterações relativamente a Setúbal vieram corrigir uma “injustiça”, mas criaram outra.
Hélder Sousa explicou que, no âmbito da distribuição de fundos pelos 18 municípios da AML, os seis municípios em causa em 2021 “estavam a 96% do PIB per capita médio da União Europeia e agora subiram para mais de 100%”.
“Logo, estavam numa região de convergência e agora estão na região dos ricos e isso tem uma consequência, que é no próximo quadro comunitário, em vez de recebermos a 60% os apoios comunitários e em vez de recebermos de uma fatia maior, vamos continuar neste prejuízo”, sublinhou.
O autarca realçou que o prejuízo “já vem de trás”, porque estar numa NUT II com Lisboa, Oeiras e Cascais “tem sido altamente prejudicial para os outros 15, dos quais nove agora “se autonomizaram e bem” na península de Setúbal.
“Mas, ficam seis reféns e mais prejudicados, porque viram aumentar o seu PIB per capita indiretamente, ou seja, estatisticamente, sem que na prática o tenham. Eu deixo só uma nota que é como é que os presidentes de câmara destas seis autarquias vão competir com os presidentes de câmara da CIMOeste [Comunidade Intermunicipal de Oeste], onde têm [o cofinanciamento de] 85% de milhões e nós temos [o cofinanciamento] a 40% de tostões? E, quando se comparam economias, quando se compara o rendimento das famílias, quando se compara a atratividade territorial, estamos em perfeita desvantagem”, concluiu.
Na audição representaram também a ANMP os vice-presidentes Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real (PS), e Alfredo Monteiro, presidente da Assembleia Municipal do Seixal (PCP).
“Não somos obviamente contra aquilo que foi feito. Achamos que se perdeu uma grande oportunidade de olhar para o país como um todo e, provavelmente, num processo devidamente maturado, podermos perceber as implicações que uma alteração ou várias alterações em termos de NUT viessem a ocorrer. Que implicações é que isso teria para cada um dos concelhos, para cada uma das regiões. E podermos tratar o país como um todo em igualdade de circunstâncias e, fazendo um ajustamento que cremos ser necessário e útil, privilegiando as regiões mais pobres em detrimento daquelas que estão claramente na área da convergência”, acrescentou Rui Santos.
Alfredo Monteiro, eleito no Seixal, um dos nove municípios integrantes da nova Península de Setúbal, destacou que, dentro da ANMP, nem todos “tiveram o mesmo entendimento”, mas foi encontrado “um caminho conjunto”, realçando os grandes prejuízos para Península quando, em 2014, foi extinta a NUT III de Setúbal, na reforma feita pelo Governo PSD/CDS-PP, que perdeu assim fundos comunitários “que eram fundamentais, em termos estruturantes, para a região”.
“Esta é, de facto, uma questão que importava resolver. […] Agora, nós também defendemos, ou eu defendo, que é preciso ver o país como um todo”, sublinhou.
A associação de municípios e a Associação Nacional de freguesias (Anafre) foram hoje ouvidas sobre a lei proposta pelo Governo que o parlamento aprovou em 22 de dezembro, em apenas dois dias, já na margem do prazo limite para que fosse apresentada a nova configuração ao Eurostat, tendo em conta a distribuição de fundos comunitários a partir de 2027.
A celeridade de aprovação das alterações fez com que nem a ANMP nem a Anafre tenham tido tempo de apresentar os seus pareceres prévios obrigatórios, que foram apenas entregues já depois de as alterações terem sido aprovadas no parlamento.
Foram então aprovadas alterações ao regime jurídico das autarquias locais, das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais para a criação de uma nova Comunidade Intermunicipal (CIM) na Península de Setúbal e para que as CIM do Oeste, da Lezíria do Tejo e do Médio Tejo se constituíssem como Nomenclaturas de Unidade Territorial para Fins Estatísticos (NUTS, na sigla em inglês) II, para poderem aceder a fundos programas regionais autónomos.
A proposta do Governo foi apresentada para “corrigir uma injustiça”, autonomizando a Península de Setúbal em relação à AML.
Desta forma, ao separar a Península de Setúbal da restante área metropolitana para recebimento de fundos, estes municípios da margem sul do Tejo poderão receber mais fundos comunitários comparticipados a uma taxa mais elevada, por terem em conjunto um PIB mais baixo do que a média dos restantes municípios da AML.