Colonato de Pegões vai ser classificado pela Direção Geral do Património Cultural

Preserva-se o edificado e, em simultâneo, divulga-se a história de uma região que o Estado Novo criou para dinamizar a agricultura. Câmara do Montijo diz que é oportunidade para valorizar turismo rural.

O edificado do Colonato Agrícola de Santo Isidro de Pegões, no concelho do Montijo, vai ser classificado. O processo, a cargo da Direção Geral do Património Cultural, iniciou-se na passada semana, com a publicação em Diário da República. Trata-se da concretização de um antigo anseio do município, que vê neste procedimento a oportunidade de valorizar o turismo rural e, em simultâneo, dar continuidade ao projeto de preservação do legado histórico associado.

“Para o Montijo, esta é uma medida que vem ao encontro do que há muito já estava pensado, bastando para tal lembrar que a salvaguarda dos edifícios do colonato até já estava prevista na revisão do PDM”, disse ao Semmais o presidente da câmara, Nuno Canta.

Entre os diversos edifícios que irão merecer classificação contam-se a igreja, cujas linhas ovais conferem diferenciação em relação à maioria dos templos religiosos, mas também o antigo posto médico, as escolas primárias e os centros de convívio e sociais. Estas construções, desenhadas pelo arquiteto Eugénio Correia (1897-1985) remontam, quase todas à década de 1950, quando o Estado Novo, conforme consta do Diário das Sessões da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, de 29 de Outubro de 1938, quis dinamizar a atividade agrícola “com um bom e abundante viveiro de colonos, que no Império Colonial irão fixar a Raça e valorizar o território”.

“É o património imaterial, correspondente ao historial do Colonato, que é igualmente importante preservar. Mesmo referido em diversos livros, esse histórico deve sempre ser lembrado e, com a classificação do edificado, também ele será novamente valorizado”, referiu o autarca.

Em 1952, quando o colonato começou a funcionar, o Estado havia recrutado por todo o país os agricultores que viam no projeto uma oportunidade de passarem a ter algo seu. Após um período experimental que podia chegar aos cinco anos, os colonos passavam a ter direito a 18 hectares de terra, onde plantavam vinha, pinha, hortícolas e criavam animais. O Estado construía-lhes a habitação, assim como edifícios agrícolas e concedia-lhes a possibilidade de contraírem empréstimos para aquisição de alfaias e animais.

“Hoje ainda existe produção agrícola em Santo Isidro de Pegões. Quando Cavaco Silva, então primeiro ministro, dissolveu o que vinha desde o Estado Novo, muitos terrenos mudaram de proprietários, mas a atividade manteve-se, uma vez que ainda subsistem as vias de comunicação ou os equipamentos de rega”, explicou Nuno Canta.

7.000 hectares doados aos Hospitais Civis de Lisboa

A antiga Herdade de Pegões Velhos era propriedade de José Rovisco Pais, um abastado agricultor que se caracterizou por fazer grandes doações a entidades de carácter social. À data da sua morte, em 1932, deixou este terreno aos Hospitais Civis de Lisboa, assim como lhes fez também uma doação de 10.000 contos. Do mesmo modo deu 1.500 contos para a construção da Maternidade Alfredo da Costa. Construiu ainda uma leprosaria na Tocha (Cantanhede) e auxiliou a Santa Casa da Misericórdia de Setúbal.

Anos mais tarde o Estado, através da Junta de Colonização Interna, lançava a ideia de ter uma agricultura capaz de alimentar o povo, surgindo então o projeto dos colonatos. O de Pegões foi o único na margem Sul do Tejo e estendeu-se pelos povoados de Faias, Figueira e Pegões Velhos, onde hoje subsistem diversos casais agrícolas.

Sendo certo que este colonato criou dezenas de famílias, também é um facto que muitas das pessoas que para ali foram residir contam que não era fácil cumprir as obrigações, a começar pela obrigatoriedade de, anualmente, dar ao Estado um sexto de toda a produção. Depois, havia ainda o controlo exercido por regentes agrícolas nomeados pelo próprio Governo. Estes asseguravam que cada colono trabalhava e não enganava quando declarava o valor da sua produção e, sobretudo, não emitia opiniões políticas contrárias ao regime.

 

Salazar quis copiar modelo alemão

A ideia dos colonatos agrícolas portugueses foi inspirada no que, nas década de 1930, existia na Alemanha. Aliciavam-se famílias sem recursos, sobretudo do Alentejo, e tentava-se a sua fixação numa área até então quase despovoada. Os terrenos, férteis e bem irrigados, contribuíram para o incremento da vinha e o surgimento de diversas marcas conceituadas no mercado. Rovisco Pais, o benemérito que deu ao Estado a possibilidade de lançar a ideia dos colonatos, dá ainda hoje o seu nome a alguns vinhos produzidos na região.