Cátia Oliveira a cantaautora do Bairro 2 de Abril, em Setúbal, que se dá pelo nome artístico A Garota Não, anda nas bocas do mundo e não é para menos.
No último domingo, venceu um Globo de Ouro da SIC na categoria de “Melhor Intérprete” e com o seu discurso arrebatador ‘congelou’ a sala dos brilhos e das vaidades, desferindo um golpe certeiro no ‘status quo’ que tem engolido as sociedades ocidentais contemporâneas.
A Garota, SIM, não precisou de ser populista, nem agressiva, muito menos grosseira, para deixar dito – e pelos vistos plantar – um enfático manifesto contestatário sobre a ordem vigente.
Sim, foi elegante e foi desconcertante, perante uma plateia muda, certamente apanhada de surpresa, sem capacidade de reação, a não ser as palmas de sempre, a tudo e a todos, acríticas, despojadas de emoção ou pensamento.
Sim, a Garota Não, nada e criada num “bairro lixado” de Setúbal, mostrou orgulho de “ser” e não pediu licença para “estar”, à imagem e semelhança de uma carreira tímida que tem encantado quem a vê ao vivo e quem a sabe ouvir.
Mas foi também corrosiva, como se tem visto pelo universo internauta, dando extensão às suas palavras, que já ficaram como legado de um lamento perfeito, verdadeiro e justo.
Não sei mesmo se, na altura, no manto da sua notória timidez, logrou atingir o alcance e a força das suas palavras. Menos ainda, se as mesmas terão ferido de morte tantas cabeças ignóbeis que pululam nas decisões políticas – na governança e nas oposições – nas grandes empresas, nos mentores das teias das negociatas, da corrupção, dos jogos de poder, do(s) sistema(s).
Sim, a cidadã Cátia Oliveira foi à guerra com a arma mais poderosa de todas: a palavra. E fez mossa, dentro e fora do Coliseu, cavalgando a onda e mexendo com as consciências.
Esta miúda, que se diz “um ser tão falho” é um caso sério de humildade, que tem agarrado a vida com talento e desbravado a selva humana que a rodeia na sorte que lhe tem dado “muito trabalho”.
Agora, perante o bom caos que a sua seiva artística pariu na noite dos brilhos, a ver vamos se a chusma de demagogos, populistas, oportunistas e hipócritas não lhe sugam o ar.
De resto, como clamou, na mesma ocasião, Rui de Carvalho, o decano dos atores em Portugal é, sem pedir licença, “viver, viver, viver”.