Negócio do meixão rende milhões a redes criminosas

As enguias estão criticamente ameaçadas e a captura das suas crias é totalmente interdita. Nos circuitos criminosos um quilo pode ser negociado, normalmente para a China, por valores que podem chegar aos 10 mil euros.

Quando se fala de enriquecimento por tráfico, a maior parte das pessoas associa de imediato a droga, as armas e o tabaco às causas do ilícito. Há, contudo, outros bens suscetíveis de gerarem fortunas ilegais de uma dimensão financeira quase impossível de quantificar. Em Portugal a apanha e tráfico de meixão (enguias bebés) é um dos crimes mais rentáveis para as redes organizadas que mantém, sobretudo, ligações à Ásia. No distrito de Setúbal, os estuários do Tejo e do Sado são dos mais profícuos na atividade criminosa. Um negócio que chega a render mais de 10 mil euros por quilo.

“A apanha da enguia adulta e, sobretudo do meixão, são responsáveis, nos últimos anos, por decréscimos das suas populações na ordem dos 70 por cento”, disse ao Semmais um responsável do ICNF, uma das entidades que em Portugal tem a incumbência de controlar a evolução da espécie e reportar os perigos que a ameaçam.

É totalmente proibido exportar enguias para fora da União Europeia, tal como é completamente proibido apanhar o meixão, que são os juvenis, os quais demoram cerca de sete anos a viajar entre o Mar dos Sargaços e os rios de destino, na Europa. Estamos a falar da única espécie marinha cujo processo de reprodução é de todo impossível realizar-se em cativeiro. Só isso justifica que se preservem os juvenis até atingirem a idade adulta, porque um dia em que estes acabem, não mais será possível recuperá-los. É uma espécie tão difícil de conhecer que ainda hoje, apesar de algumas experiências de monitorização, não se sabe bem como vivem durante os anos em que empreendem a viagem pelo fundo do oceano até chegarem aos estuários dos rios”, adiantou.

Mesmo sendo interdita a captura das enguias e do meixão (também há quem lhe chame vidros, por serem transparentes) em quase todo o território (a exceção ocorre, sazonalmente no Rio Minho, que por fazer fronteira com Espanha permite aos pescadores nacionais usufruírem das benesses de que gozam os espanhóis), a verdade é que em Portugal são anualmente consumadas mais de uma dezena de detenções. Por vezes são confiscadas centenas de quilos de juvenis, quantidades essas que por norma são de imediato lançadas aos rios de origem, de modo a poderem completar o seu processo até atingirem a idade adulta e poderem novamente fazer-se ao Atlântico para procederem a mais uma desova e, tal como acontece com o salmão, morrerem.

Há cerca de uma semana a Polícia Marítima devolveu ao Tejo cerca de 300 quilos de meixão que havia sido apreendido no Aeroporto de Lisboa e que tinha a China como destino. “Poderia ser vendido a preços que atualmente oscilam entre os 7 mil e 10 mil euros o quilo”, explicou fonte conhecedora do processo.

Tráfico faz-se quase sempre por via aérea

O transporte do meixão, dizem os especialistas do ICNF, é relativamente fácil de fazer. “A taxa de mortalidade dos exemplares é muito baixa e, por outro lado, conseguem-se traficar grandes quantidades, uma vez que um só quilo corresponde a cerca de 4 mil indivíduos”.

Mas, para além dos negócios com a China, que se realizam por via aérea (a maior parte das apreensões acontece nos aeroportos), há também casos em que o meixão, depois de capturado com recurso a redes com uma malha muito fina, acaba por ser transacionado para Espanha, presumindo-se que deste país tenha igualmente como destino preferencial o mercado chinês.

“No Tejo e no Sado há cada vez menos exemplares, sejam adultos ou juvenis e um dia, muito em breve, pode mesmo acontecer que os meixões não voltem a aparecer. Isso é consequência da atividade de redes organizadas que se dedicam ao tráfico. É um crime que rende muitos milhões de euros e que tem o mercado chinês como principal comprador”, acrescentou um responsável da ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.

“Trata-se de uma espécie criticamente ameaçada de extinção e que é muito apreciada no Oriente, sobretudo na China. Hoje as enguias ainda se encontram em diversos rios portugueses, mas são cada vez em menor número. O consumo no país é cada vez menor, até porque a maior parte são provenientes dos Estados Unidos. Até 2021 as enguias estavam praticamente à mercê de quem as quisesse apanhar. Havia regulamentação da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção) relativamente à sua comercialização, mas nada existia sobre o modo de as proteger”, explicou ainda um responsável do ICNF.

Em resposta a uma solicitação do Semmais o ICNF disse que foram abertos quatro processos criminais por apanha e comercialização de meixão em 2021. No ano seguinte o número passou para 11 e já em 2022 chegou-se aos 16. Nos mesmos anos, o valor das apreensões registadas apenas por aquele organismo ascenderam, respetivamente a 1,017 milhões de euros, 735.434 milhares e 2,041 milhões. O número mais baixo obtido há dois anos é explicado pela pandemia de Covid-19.