Recursos hídricos em Alcácer do Sal em risco de desaparecerem

Um novo projeto para plantação de pera-abacate numa área de 722 hectares está a ser contestado por residentes e ambientalistas. Diz-se que os 34 furos previstos, juntamente com os que já existem, vão esgotar as reservas de água.

O concelho de Alcácer do Sal pode deparar-se, em breve, com dificuldades no abastecimento de água potável. O alerta é dado pelos grupos ambientalistas que operam na região e que temem que os recursos hídricos existentes desapareçam em consequência da utilização excessiva praticada por diversas unidades agrícolas

A entoação da voz do presidente da União de Freguesias de Alcácer do Sal e Santa Susana, José Arlindo dos Passos, faz lembrar a do general Humberto Delgado quando, na década de 1960, lhe foi perguntado o que faria a Salazar caso ganhasse as eleições.“Obviamente demito-o” respondeu então o candidato à Presidência da República. Neste caso, o autarca, é igualmente incisivo quando lhe é perguntado se está de acordo com a instalação, prevista para breve, de uma exploração de pera-abacate com 722 hectares no concelho: “Obviamente que discordo”, disse

“Neste momento, pelo que ouço por aqui, já existem mais de 3000 hectares no concelho de Alcácer plantados com esses frutos, com relva. São explorações agrícolas muito grandes e que consomem muita água. Agora, se for adiante este novo empreendimento, que dizem vai obrigar à abertura de 34 furos só para rega, é certo que vão surgir dificuldades de abastecimento para a população”, disse o autarca referindo-se ao Projeto Agroflorestal das Herdades de Murta e Monte Novo, que compreende uma área total superior a 2.400 hectares e que se estende pela União de Freguesias de Alcácer do sal e Santa Susana e também pela da Comporta.

“Nós, por aqui, quase nunca temos palavra nesses assuntos. O projeto está para consulta pública e nós discordamos totalmente. Mas depois são outros organismos, como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que acabam por decidir. O que mais temo é que estas empresas, sendo-lhes dada autorização para abrirem um determinado número de furos, acabem sempre por abrir muitos mais. A água acaba por se ir embora. Veja o problema que há com o areeiro no Castelo Ventoso, perto de Foros de Albergaria. Já há muitas dificuldades no abastecimento”, refere José Arlindo dos Passos.

Quercus alega prejuízos para futuras gerações

Domingos Patacho, engenheiro agrónomo e colaborador da Quercus nos concelhos litorais do Alentejo, tem uma opinião idêntica à do presidente da União de Freguesias: “O Governo não deve aprovar este novo projeto. O concelho corre o sério risco de, num futuro breve, ficar sem água”.

“Este novo projeto irá aumentar em dez vezes a produção de pera-abacate no concelho. Visto assim, apenas pelo prisma da produção, parece uma coisa boa. Mas não é. Está-se a criar um problema muito sério, que irá afetar muitas das gerações vindouras”, disse ao Semmais.

O mesmo responsável entende também que os organismos estatais, nomeadamente a APA, devem “ouvir as pessoas que moram nestas áreas”. “Na Herdade da Batalha existe o projeto da produção de tangerinas para exportação para Espanha. Ao lado, no Vale Gordo, junto à Mata Nacional de Vale Verde e onde existem furos para captação de água para abastecimento da população de Grândola, regam-se os viveiros de relva ali instalados. Agora, com este projeto da pera-abacate, a uma distância muito curta, o mais certo é que os aquíferos se ressintam irremediavelmente. A curto prazo deixarão de existir recursos hídricos”, alega.

Os promotores deste nove projeto, estimado em 60 milhões de euros, referem que o mesmo pode empregar em permanência de 32 a 40 pessoas. Estes são números, no entanto, desvalorizados pela população. “De que nos interessa isso a nós, se as pessoas que para aqui vêm trabalhar não deixam nada no concelho”, refere José Arlindo dos Passos. “Chegam de manhã, em autocarros, vindos de Pegões, do Montijo, de Beja, e no final do dia regressam. Não fazem qualquer despesa aqui. O concelho não colhe qualquer benefício dessa mão-de-obra”, frisa.

O Semmais procurou ainda recolher a opinião dos responsáveis da câmara de Alcácer do Sal, não tendo sido fornecida qualquer resposta em tempo útil.