O município sadino prepara-se para aplicar um “brutal aumento” sobre terrenos devolutos, alegadamente para construção, sendo a única câmara do país a levar as taxas ao limite. Os proprietários, loteadores e construtores que operam em Setúbal estão à beira de ataque de nervos.
Um agravamento da taxa de IMI sobre terrenos no concelho de Setúbal, que vai chegar aos 900%, está a deixar muitos proprietários “encurralados” e sem saber o que fazer à vida. Os aumentos, que foram comunicados no início deste ano, na sequência de uma decisão camarária de 29 de novembro de 2023, são considerados “incomportáveis” e “injustos”, e podem mesmo, segundo várias fontes contactadas pelo Semmais, “levar à falência de pequenos proprietários e à fuga de construtores para outros concelhos”.
Em causa, está a decisão da câmara de Setúbal em alargar as Áreas de Recuperação Urbana e de Pressão Urbanística por toda a cidade, extravasando o centro histórico, alegadamente ao abrigo da Lei “Mais Habitação”. A medida agora em cima da mesa inclui nestas zonas, para além do edificado, as chamadas ‘zonas expetantes’, aumentando significativamente as penalizações para os proprietários que não construam nas mesmas. Num comunicado enviado ao Semmais, o município admite mesmo que com estas alterações “foram criadas dificuldades” adicionais a estes proprietários e diz que está a “negociar e a acompanhar a situação”.
Mas a verdade é que, segundo os lesados, a câmara de Setúbal é a única em todo o país a aplicar esta medida que, sustentam, “não resolve o problema da falta de habitação, apenas aumenta o seu custo e inviabiliza o surgimento de novas urbanizações, tal é o peso dos encargos e das taxas previstas” com este procedimento.
Carina Santos, uma das responsáveis das sociedades de construção Filipe Santo e Filhos, SA e Prediseri, afirma mesmo tratar-se de um grande rombo para a atividade e muito injusto para uma empresa como a nossa, que trabalha em Setúbal há 40 anos e, mesmo com a pandemia, nunca deixou de exercer a atividade”. A mesma fonte salienta que a manter-se a medida, “estes aumentos vão repercutir-se no preço final das habitações, além de que “afugenta os poucos construtores que existem na cidade”.
Com construção avançada, nomeadamente um empreendimento com 64 apartamentos, esta sociedade detém oito lotes que são alvo desta elevada majoração. “É fácil perceber que nem nós, nem qualquer outra empresa do ramo temos condições para ter tudo em construção, pelo que, no limite, teremos que colocar à venda os terrenos e deixar de construir em Setúbal”, lamenta a responsável.
No essencial, com esta deliberação, os proprietários vão pagar já este ano, para um lote onde apenas se pode construir por exemplo seis apartamentos, um valor de IMI equivalente a 22 apartamentos já concluídos. E, no geral, estão assumidos pela medida, “aumentos sucessivos e cegos” sobre tudo o que é terreno, seja de pequenos loteadores e construtores, ou simplesmente de particulares que herdaram de parentes pequenos lotes e não têm as mínimas condições para liquidar as pesadas taxas agora em vigor. “Não estamos a falar de imóveis devolutos ou em ruínas, antes pelo contrário, é a nossa matéria prima que está em causa, e com estes valores torna-se impraticável manter-nos no concelho, porque o preço final fica tão oneroso que não é rentável”, explica Vítor Marinho, um loteador que dispõe de três lotes na cidade e que aguarda “para breve” a respetiva nota de liquidação do imposto.
Por outro lado, este investidor afiança que “com esta arma apontada à cabeça” não é possível prever ou planear o que se vai construir. “São pequenas empresas que não podem precipitar decisões, que dependem de financiamentos e do mercado, ainda por cima quando a rentabilidade vai ficar ainda mais curta”, sendo que “a câmara quer agora ficar com todo o nosso ganho, o que nos obriga a deixar de operar no concelho”. E acrescenta: “O curioso é que antes desta decisão, o município reuniu connosco e até nos pediu para não deixarmos de investir na cidade”.
Património desvalorizado e subsistência ameaçada
O Semmais sabe que há outros particulares que decidiram investir as suas economias para garantir o futuro dos filhos e que agora “não só não têm rendimentos que permitam pagar estas avultadas taxas de IMI como também veem o seu património desvalorizado e a sua subsistência ameaçada”.
Acresce, referem os proprietários, que a atividade de construção “é a única onde já se paga pelo stock de matéria prima que são os terrenos, mas em Setúbal as verbas a pagar de IMI pelos terrenos vão atingir valores “absolutamente astronómicos e catastróficos para as empresas do concelho”. Perante esta situação “o melhor mesmo é desinvestir da cidade, o que ninguém defende nem deseja”, lamenta um outro empresário ao nosso jornal.
Os proprietários afirmam ainda que a Zona de Pressão Urbanística abrange grande parte da cidade, incluindo praticamente todas as zonas onde podem adquirir ou já adquiriram terrenos para a construção de habitação. Vítor Marinho dá os exemplos de Mafra, Cascais e até Almada, onde existem “grandes e alargadas áreas de pressão urbanística” onde não se verificam a aplicação destas taxas. “Foi uma opção política que é perniciosa e cria enormes problemas ao setor no concelho, uma vez que não existem empresas de construção suficiente para fazer face às necessidades atuais e futuras”. Para esta fonte, “se a zona de Pressão Urbanística de Setúbal se limitasse ao centro histórico, não teríamos este problema, porque nessa zona não existem lotes urbanizados, e a lei, na prática, apenas se iria aplicar às ruínas e fogos devolutos”.
As expetativas estão agora viradas para a câmara de Setúbal que, ao Semmais, através de uma nota de imprensa, afirma haver “disponibilidade” para encontrar “soluções justas e equilibradas”. Embora reitere que o objetivo do município “é a qualificação do espaço público e do edificado, da imagem urbana da cidade e de criar todas as condições para a existência de mais oferta de habitação”.
“Estamos a viver um filme de terror”
Filho único, António Silva aplicou as parcas poupanças deixadas pelo pai na compra de um terreno junto ao LIDL, no Bairro do Liceu. Agora diz estar a viver “um filme de terror”, porque até ao ano passado pagava mil euros de IMI e já este ano vai passar a pagar dez mil, podendo este valor ser aumentado, anualmente, nos próximos cinco anos, até próximo dos vinte mil euros. “Não sei o que fazer à vida e estão a deitar-me abaixo. Sinto que estou a viver nos tempos da ditadura, tirando a minha liberdade de escolha”, diz ao Semmais, lembrando que ele a esposa vivem apenas do seu trabalho e não têm qualquer outra fonte de rendimento. Recorda que o pai preocupava-se muito com ele e com o neto e amealhou algum dinheiro para deixar como herança. Com o falecimento do pai, há alguns anos, aplicou essas economias na aquisição do lote, com cerca de 225 metros quadrados, com a premissa de, no futuro, ficar com dois apartamentos. Mas isso ainda não aconteceu, porque, explica, “o pequeno construtor faliu porque fazia orçamentos muito baixos para ganhar obras” e os “grandes não se têm interessado” pelo referido terreno. “Ando numa pilha de nervos e sem saber o que fazer, espero que a câmara seja sensível, porque estamos a falar de um valor de uma grandeza tal que nunca na vida conseguiria pagar”, desabafa.