Intenções e rebuliços do ‘Identidade e Família

O livro ‘Identidade e família’, apresentado pelo ex primeiro ministro Passos Coelho, trouxe algum rebuliço à cena pública e, justificadamente, abriu uma discussão fraturante.

Aparentemente, a obra é desigual, em autores e na substância, uma vez que amplifica o temor de uma classe política e social de conhecidos conservadores, mas conta também com um naipe de radicais e extremistas, que não mediram palavras nem o tom.

O debate sobre alguns destes temas é legítimo numa sociedade aberta como a nossa, e é até estimulante, porque redefine, em rigor, pensadores que por estes tempos andaram mais ou menos na sombra, sobretudo depois dos temas referendados de que o caso da lei do aborto é expoente máximo.

Não alinho pelo diapasão de que a organização social e os costumes devam ser ‘coisas’ imutáveis, entregues apenas ao sabor de imposições legais ou por decreto. Mas cabe à governança apreender os sinais de mudança e progresso da sociedade em cada momento.

Do mesmo modo defendo que em matérias tão sensíveis há que encontrar um sentido estável resultante, por norma, de um sentir social. E parece-me que tem sido este o caso português.

O que há então de novo nesta equação e qual é o sentido do lançamento deste livro tão polémico? A este propósito, parece claro que os resultados das últimas eleições assentam como pano de fundo desta investida, porque há numericamente uma maioria de direita. E os autores (ou parte deles) e o apresentador da obra pretendem que o atual Governo empreenda alguma iniciativa a favor destas causas

O problema é que os eleitos não são os eleitores. E não estou a ver que os portugueses queiram retroceder em causas amplamente arrumadas socialmente. O despenalização do aborto, os direitos das minorias, incluindo os da comunidade LGBT, o casamento homossexual, entre outros são já um não problema no nosso país.

Claro que perante algumas ideias estampadas no ‘Identidade e Família’ – retrogradas, extemporâneas e fora de contexto – houve levantamento de racho. Mas a defesa destes direitos é incompatível com a censura e abafo do contraditório. Isso também é condenável.

Até porque há questões que justificam debate e, sobretudo, discussão técnica e científica, como é o caso dos limites para o enquadramento da distrofia de género ou, se quisermos, em última instância, como abordar a sexualidade e a definição de géneros em tenras idades

Quanto à família, defendo apenas uma única regra. A transmissão de valores consagrados na vida em sociedade e o ensinamento do respeito por todos e por todas as diferenças.