Entusiasmo ‘abrilista’, agitação nas ruas e muita violência partidária, assim se viveu a revolução na região. Um fervilhar que se agigantou até 25 de novembro de 1975. O PS assume o poder e o PCP pinta o distrito de vermelho.
Com a revolução nas ruas, centrada na capital, Almada foi onde se registaram as maiores manifestações espontâneas. Buzinava-se e gritava-se “liberdade”, já não havia retorno, embora a vizinha Lisboa vertesse sustos em catadupa, com os agentes da PIDE a recusarem entregar as armas. Mas as horas de medo, essas passaram.
Setúbal, a capital do distrito desertificou. Pelo menos foi esse o testemunho dado ao Semmais, numa edição especial em abril de 1999* pelos casais Quintas, socialistas, e Lobo, comunistas desde sempre. “Eram 8h30 da manhã, quando Victor e Conceição Quintas souberam do golpe pela rádio, o meio de comunicação privilegiado na época. “Eu fui para a escola, não dei aulas”. lembra Conceição. E à noite, o casal decidiu jantar fora encontrando aberto o ‘David dos Frangos’, uma tasquinha sadina, onde apenas se encontrava Francisco Lobo, que viria a ser eleito presidente da Câmara de Setúbal, e a esposa. Acabaram a passear pelas ruas desertas. “Falámos sobre o futuro democrático e sobre a alegria de podermos falar livremente e em liberdade”, contaram ao Semmais.
Com o avanço sucessivo da Revolução, a 28 de setembro, com a derrota dos ‘spinolistas’, o PCP começa a ganhar força. As lutas laborais subiram ao palco político, com Barreiro e Almada na crista da onda. “Spinola defendia a liberdade em partidos, uma liberdade condicionada, isso era impensável”, lembrava na mesma edição, Américo Leal, eleito deputado para a Constituinte.
E o PCP movimentava, com robustez das suas forças e a experiência organizativa de décadas na clandestinidade, a luta popular. “Era difícil as massas não exigirem que o PCP estivesse representado num governo para o qual não tinha contribuído”, afirmava Leal.
Por seu lado, o PS travava a luta para agarrar o movimento social e garantir eleições para a Assembleia Constituinte, enquanto que o PSD afirmava a social-democracia como via para o socialismo democrático reformista e o CDS aceitava o socialismo como objetivo da revolução. Em causa, ao sabor da genética revolucionária estava a vivenciar-se um fenómeno de esquerdização global da política nacional. “Todos os partidos se posicionaram na sua ala esquerda”, lembrava, em 1999, Cardoso Ferreira, um dos ‘barões’ do PSD de Setúbal e experimentado deputado da nação. E isto porque, sublinhava. “Nos primeiros anos da revolução quem se posicionasse à direita era votado ao ostracismo”. Só mesmo com o amadurecimento da democracia as matrizes ideológicas se recentraram.
Com o PCP na mó de cima, surgem os primeiros confrontos físicos. “Provocações de direita, clamavam os militantes comunistas e mesmo da chamada extrema-esquerda, com sinal forte para o MRPP. Do lado oposto, a acusação de o PC não querer a “democracia parlamentar”.
Há episódios que marcam este período prolongado até ao Verão quente de 1975, como o que ocorreu no boicote ao comício do PSD, a 7 de março desse ano, no Clube Naval Setubalense, com atos de violência. “Magalhães Mota não chegou a falar e refugiamo-nos na sede do Bairro Salgado, cercados por centenas de manifestantes de extrema-esquerda, recordava Cardoso Ferreira.
A vinda de Sá Carneiro à Praça de Touros de Setúbal na campanha de 1975, marcou a luta pela colagem e descolagem de cartazes e a vigilância por turnos”. Em Sesimbra, Freitas do Amaral foi banido da vila, antes de um comício no ginásio local. E múltiplos episódios do género assumiram o dia-a-dia e as rotinas desse agitado período. “Nunca assaltámos sedes de outros partidos”, assumia na edição do Semmais de 1999, o dirigente comunista Américo Leal, partido que nessa altura degladiava a unicidade sindical, contra os desejos do PS, com turbulências constantes nas fábricas da região.
PS ganha terreno nacional, PCP cria ‘distrito vermelho’
Nas eleições de 25 de abril de 75 realiza-se o ato eleitoral para a assembleia constituinte. O PS ganha com 38,9 por cento dos votos, seguido do PPD, PCP, CDS, MDPCDE e da UDP. No 25 de novembro dá-se um momento de grande tensão. “Muitos militantes do PS fugiram para do Barreiro para o Montijo, recordava, em 1999, o dirigente socialista José Bastos. Melo Antunes, quase ilegalizou o PCP, porque, recordava Cardoso Ferreira, do PSD “por um fio não tomaram as rédeas do poder”. A persistência dos comunistas levou à reconquista das comissões administrativas locais do distrito de Setúbal. Mas, nas primeiras legislativas de 1976, o PS volta a ganhar com 33 por cento, seguido do PPD e do PCP. O comunista Américo Leal lembrava ao Semmais que o seu partido deixara-se “ultrapassar”, lembrando a luta das autarquias nesse mesmo ano, com a então Aliança Povo Unido (APU) a ganhar a maioria das câmaras da região, com exceção de Setúbal, Alcochete e Montijo.
*Retirados de texto de Humberto Lameiras da edição de 22 de abril de 1999