Alta tensão sobre as águas do Tejo

Coluna que tomou Cristo-rei atravessou Setúbal nas “barbas” do Regimento de Infantaria do “Onze”. Os Fuzos de Vale do Zebro foram mias ativos e o Batalhão da Trafaria alinhou comunicações. Sem esquecer a fragata no Tejo. Resumo das operações militares na região.

Ainda a manhã acordava e já Almada se via invadida pela coluna militar oriunda da Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas que, mais tarde, havia de tomar o Cristo-rei.

O objetivo de Ferreira de Sousa, o capitão que comandava a coluna sob a coordenação do MFA, a partir da Pontinha, era muito claro: instalar uma bateria no ponto mais alto de Almada, para, caso fosse exigido, bombardear Lisboa, nomeadamente o Terreiro do Paço, onde se instalava o poder e os seus ministérios. Não foi necessário. Salgueiro Maia e as suas tropas já controlavam a situação a norte do Tejo.

No seu percurso até ao sopé do santuário, os militares de Vendas Novas nem se deram conta do episódio ocorrido com os seus camaradas do Regimento de Infantaria do Onze, em Setúbal. Tomando conhecimento do avanço da coluna, o coronel Carvalho Femandes (saneado posteriormente pelo MFA), que liderava o “Onze”, ordenou que uma companhia se fizesse à estrada, alegadamente para impedir a progressão das tropas revolucionárias. Cento e tal homens, liderados pelo major Serra, que deram apenas uma volta ao quarteirão, pela Luisa Todi.

O quartel do Onze desempenhou, segundo as fontes do Semmais, “uma neutralidade ativa”, o que significava, referem as fontes, que ninguém se colocara ‘de pronto’, ao lado do situacionismo, mas “havia muitos que não se importavam que o golpe fracassasse”.

O grande papel dos aquartelamentos sediados no distrito foi, no entanto, dos Fuzileiros de Vale de Zebro e do Batalhão de Transmissões da Trafaria, este último assegurando as codificações das investidas militares. “Sabíamos as cifras e íamos fornecendo as melhores frequências para o êxito das operações no terreno nas várias frentes”, contou um oficial com intervenção direta no processo.

Os Fuzileiros, por sua vez, além do apoio que deram à coluna de artilharia de Ferreira de Sousa, instalada, no Cristo-rei, tomaram o Forte de Caxias e da sede da PIDE, por na véspera duas companhias do Regimento de Infantaria 1, da Amadora, se ter recusado a cumprir essa missão. As operações foram lideradas pelo então comandante de destacamento, Abrantes Serra, e pelo oficial de marinha, Vargas Mendes.

Um dos momentos de maior tensão ter-se-á passado nas águas do Tejo, com a presença da fragata Gago Coutinho que, integrada numa esquadra da NATO, à beira de zarpar para exercícios em Nápoles, sobe o rio e toma posição frente ao Terreiro do Paço, com as suas peças de guerra em posição de fogo. “Recebemos ordens para sair da formatura e andarmos às voltas. Atendendo a que a marinha tinha tomado posição de neutralidade não entendemos quando o nosso almirante mandou abrir fogo, com tiros de salva. Avisei-o de que os oficiais se recusavam a cumprir a ordem”, contou ao Semmais, Caldeira Santos, então ‘imediato’.

Tirando este facto maior, a força ativa dos fusos, a estratégica coluna de Vendas Novas e o caricato episódio da companhia do Onze, não há registo de outros episódios militares. Também à época nesta área militar não havia muitos capitães.

A rede de contactos estava montada desde janeiro de 74. O superintendente Chumbinho, que exerceu depois altas funções na PSP, foi um dos capitães que assinou a célebre ‘folhinha azul’, que esteve na base da rebelião militar. O coronel Pontes Miquelina, teve papel “ativo” no ‘Onze’ pró-golpe e após o eclodir da revolução participou na organização militar S.O.I, importante na ligação do MFA com o povo, que funcionou na Praça do Bocage, em Setúbal.

No Distrito de Recrutamento, o ex-comandante dos Sapadores de Setúbal, Quaresma Rosa, então sargento-ajudante, ficou a noite em claro. “Acompanhei os movimentos do golpe. Às oito da manhã, começou a chegar o pessoal e, contrariando alguns rapazinhos mais inquietos, começámos a retirar os quadros de Salazar e Caetano”, recordou ao Semmais.

 

A neutralidade da GNR

As forças do Destacamento Rural de Setúbal da GNR (similar ao atual comando distrital) entraram de prevenção por volta das três da madrugada. O golpe eclodira, mas as cúpulas da chamada guarda militar julgara que as escaramuças estavam controladas pela situação. “A última chamada que recebi foi às cinco, seis da manhã. Depois nunca mais me ligaram, ficámos entregues ao bom senso”, lembrou à reportagem do Semmais de 1999, o major Reis Moura, na altura jovem tenente inebriado pelos ventos revolucionários. E a partir do meio-dia a guarnição ficou a disposição do novo poder. “Éramos urna força pequena que dependia de Évora e integrava Almada”, acrescentava a fonte. Nos dias seguintes, e já sob o comando de uma comissão administrativa militar nomeada pela Coordenadora do MFA, os soldados da GNR de Setúbal estiveram quase sempre recolhidos, sendo que a sua primeira saída de serviço ocorreu no dia 1 de maio de 74.

Retirados de texto de Raul Tavares da edição de 22 de Abril de 1999