A peça, ficcionada, procura recuperar episódios da vida de Fernando Pessoa, nomeadamente de como a sua história se cruza com a da rainha Vitória, e leva a palco temas marcantes como a segregação e o racismo.
“O Rapto da Rainha Vitória”, uma produção da companhia setubalense Teatro Estúdio Fontenova, estreia no Fórum Luísa Todi esta sexta-feira, pelas 21h00. Encenada por José Maria Dias, conta com um texto original de Armando Nascimento Rosa e inspira-se, sobretudo, na vida de Fernando Pessoa na África do Sul.
“Este novo trabalho nasceu de uma forma um pouco informal. Em conversa com o Armando, quando fizemos o “Caim ou a Divina Cegueira” (2022), ele fez a curiosa observação de que a Graziela (atriz, diretora de produção e uma das fundadoras da companhia) tinha semelhanças físicas com a Rainha Vitória do Reino Unido e que seria interessante ela interpretar essa personagem. Ele foi pensando nisso e pegou no Fernando Pessoa, porque é um ‘pessoano’ com muita informação, e verificou que este, quando era jovem, quando vivia em Durban, ao candidatar-se à Universidade da Cidade do Cabo ganhou um prémio com o nome da rainha. A partir daí criou uma ligação para a peça e a discussão em torno desse assunto”, conta ao Semmais o encenador do espetáculo.
Além da vivência do escritor na África do Sul, com personagens que marcaram a sua vida, como o padrasto, Miguel Rosa, cônsul português, a mãe e outros familiares, também sobressai neste espetáculo a criada moçambicana, Paciência, que arrasta para a dramaturgia problemas bem patentes no passado colonial africano, como a segregação e o racismo. “Não fazemos teatro só para entreter, gostamos também de trazer estes elementos sérios para a reflexão de todos. Não poderíamos deixar de, atendendo à época, abordar estas questões étnicas, da segregação e do racismo, visíveis pelas atitudes de subserviência que aconteciam nestas casas burguesas e ricas, que tinham negros em casa, mas que eram escravos”, sublinha José Maria Dias.
Elementos históricos fortes e ligação a Setúbal
Paralelamente, ao longo da peça é feita a ligação entre Fernando Pessoa e a rainha que, apesar de ficcionada, procura elementos reiais e históricos da época. “Temos detalhes muito ricos, como por exemplo a inclusão do criado escocês John Brown, que serviu a rainha e com quem, dizem, se relacionou. Vamos buscar também toda aquela discussão do Mapa Cor-de-Rosa, que gerou o Ultimato Britânico a Portugal, patrocinado pela própria Rainha Vitória, e ainda a intervenção de Ghandi na África do Sul, que apesar de não sabermos se conviveu com Fernando Pessoa, foi seu contemporâneo naquele país”, revela ainda José Maria Dias.
Houve também a preocupação de transportar para este espetáculo, Setúbal e toda a região que envolve a cidade sadina. “Achámos que seria interessante também fazer esse apontamento e trazer para a peça algumas figuras e elementos da época aqui da cidade, como era o Teatro Dona Amélia, anterior ao atual Fórum Luísa Todi” sublinha o encenador.