Críticas de clínicos colocam ortopedia do Hospital do Outão debaixo de fogo

O diretor de serviço de ortopedia do hospital do Outão está a ser acusado de uma gestão que favorece médicos e prejudica doentes. Um clínico aposentado diz ter sido impedido de continuar consultas descentralizadas que reduziram para metade as listas de espera. E já se pede uma auditoria.

A Direção de Serviço de Ortopedia do Hospital do Outão, integrado na Unidade Local de Saúde da Arrábida (ULSA), está sob a mira de fortes acusações por alegadas irregularidades e práticas abusivas na atividade hospitalar. Em causa poderá estar uma gestão marcada por iniquidades, favorecimento pessoal, intimidação laboral e decisões com impacto direto na lista de espera e na qualidade da formação médica.

As denúncias a que o Semmais teve acesso por parte de médicos especialistas do serviço, foram confirmadas por Nuno Fachada – que já foi diretor clínico do Centro Hospitalar de Setúbal – segundo o qual o atual diretor do Serviço de Ortopedia, Carlos Antunes Ribeiro, ocupou o cargo “durante muitos anos sem habilitações legais para o mesmo”, uma vez que só recentemente foi submetido ao concurso obrigatório de manifestação de interesse que, por lei, deve ocorrer a cada três anos. E pede mesmo, “em nome da transparência”, uma auditoria externa às atividades clínicas e de gestão do serviço”.

Nuno Fachada descreve um controlo apertado das cirurgias adicionais realizadas no âmbito do SIGIC, alegadamente decidido “em favor próprio” pelo diretor, a quem são atribuídos tempos cirúrgicos “muito superiores aos dos restantes cirurgiões”. O clínico sustenta ainda que a seleção dos doentes não é feita com base no tempo em lista de espera, mas “no valor das cirurgias, especialmente das próteses da anca e do joelho”. Fala mesmo em “descaramento” na metodologia, comparável, diz, “a casos já tornados públicos noutros hospitais do país”.

No rol de críticas, são apontadas práticas de favorecimento interno, nomeadamente o facto de o diretor ter contratado uma colega recém reformada com quem teria “proximidade pessoal”, registando-a como ajudante em múltiplas cirurgias adicionais, cuja participação poderá ser questionável, uma vez que essa tarefa tem sido assegurada pelos internos mais novos no serviço.

As mesmas fontes referem também a existência de um ambiente de “intimidação e perseguição”, no qual seriam excluídos médicos que manifestassem discordância. Alegam, por exemplo, o facto de especialistas terem acabado por abandonar o serviço devido a essa pressão, enquanto o diretor restringiria o acesso de certos profissionais às salas de trabalho e de reuniões.

Redução de listas de espera comprometidas

O caso de Nuno Fachada é considerado mesmo como uma “perseguição pessoal”. O especialista, com larga experiência clínica e de gestão hospitalar, aposentou-se em 2024, tendo manifestado disponibilidade para continuar ao serviço, de acordo com as orientações nacionais de aproveitamento de médicos reformados. O diretor do serviço terá tentado impedir a sua contratação, “falhando na tentativa inicial”, mas, segundo denuncia Nuno Fachada ao Semmais, terá bloqueado posteriormente o seu acesso ao bloco operatório central, às cirurgias SIGIC e à formação dos internos, mesmo já depois de a Administração ter validado a sua proposta para a criação de uma Consulta Descentralizada de Ortopedia no concelho de Sesimbra.

Segundo o médico especialista, esta consulta descentralizada, iniciada em 2025, reduziu em mais de metade o tempo de espera para primeira consulta num período inferior a onze meses, tendo sido alargada a todas as freguesias deste concelho. O médico descreve um impacto “muito significativo” na acessibilidade dos utentes, sobretudo os de mobilidade reduzida, que deixaram de se deslocar ao Outão. Refere igualmente benefícios na comunicação entre cuidados primários e hospitalares. Afirma, no entanto, que o diretor do serviço “nunca aceitou esta iniciativa” e que, perante a necessidade de renovação contratual para 2026, “optou por inviabilizar a continuidade”, uma decisão que o médico considera “uma vingança pessoal que sacrifica o interesse dos pacientes”.

O médico sustenta que, ao impedirem de continuar as consultas descentralizadas que iniciou, bem como não poder seguir os utentes no Outão, fi – cam abandonados os doentes e as listas de espera com tendência para aumentar de novo, sobretudo nas áreas de maior “diferenciação cirúrgica”. E acrescenta que o único colega com capacidade técnica equivalente tem “uma lista de espera tão extensa que é impossível absorver novos casos”.

Nuno Fachada termina com uma crítica severa à cultura de impunidade que “prolifera nas estruturas hospitalares” da ULS Arrábida, onde, segundo refere, “também há a registar confl itos de interesse em vários serviços e valências. E questiona “como é possível manter na direção de serviços pequenos déspotas que gerem a coisa comum como ‘quintas’ em total desprezo pelos doentes e pelo SNS”.

Administração da ULSA refuta acusações

A administração da Unidade Local de Saúde da Arrábida (ULSA) refuta, por sua vez, que a gestão dos doentes esteja a ser feita com base na seleção de casos ou no valor das cirurgias, afi rmando que as listas de espera “são organizadas exclusivamente segundo critérios clínicos e pela antiguidade dos utentes”.

Relativamente às alegadas situações de intimidação e perseguição a médicos, a ULSA declara “não existir qualquer informação que confi rme tais episódios”, lembrando que, “desde 2022, contratou 13 ortopedistas e apenas três rescindiram contrato”, números que considera enquadráveis na mobilidade normal da carreira médica.

Sobre o fim da colaboração com o médico aposentado que realizava consultas descentralizadas em Sesimbra, garante que “o clínico foi convidado a voltar a colaborar com a instituição em 2026”, rejeitando que a interrupção resulte de confl itos internos.

A administração sublinha ainda que o Serviço de Urgência de Ortopedia se manteve aberto desde 1 de janeiro, sem qualquer tipo de constrangimento operacional