Turismo no Litoral atrai segmento económico “muito alto”

Operadores imobiliários dizem que o aumento dos preços acabou por deixar desertas as pequenas aldeias. Apesar do luxo crescente, a atividade ainda é sazonal. Em Troia, por exemplo, a média anual de ocupação dos hotéis é de 25 por cento.

A aposta no turismo destinado aos altos segmentos económicos está a deixar deserta a vida económica das pequenas aldeias do Litoral Alentejano. Num piscar de olhos tudo se alterou e o dinheiro que há cerca de quatro ou cinco anos se gastava numa semana chega agora apenas para dois dias. Os grandes empreendimentos hoteleiros serão responsáveis por uma política económica que dá primazia à circulação dos turistas apenas pelas suas unidades, desde restaurantes a locais de diversão.

“Creio que ainda será possível a coabitação entre o turismo das altas elites e aquele que envolve segmentos menos ricos. No entanto, para que isso aconteça, é necessário que os operadores redefinam os alvos que pretendem atingir”, diz ao Semmais o responsável da empresa imobiliária grandolense Vertentability, Filipe Gomes.

O empresário dá um exemplo do que ocorreu na zona de Grândola nos últimos anos, apontando a atual escassez de restaurantes acessíveis: “A verdade é que os grandes promotores hoteleiros tomaram conta de tudo. Restam poucos estabelecimentos onde uma família que tenha, por exemplo, um ordenado de 2.000 euros, possa tomar uma refeição sem gastar quantias que podem chegar aos 100 euros por cabeça. Antes, na zona do Carvalhal, havia 15 ou 20 restaurantes acessíveis. Agora serão três ou quatro. Os restaurantes do povo passaram para os grupos hoteleiros”.

Filipe Gomes refere, por outro lado, que a mudança do paradigma económico atingiu todos os setores de atividade. “Antes era frequente verem-se muitos turistas estrangeiros pelas aldeias. Faziam compras no comércio local e alugavam as pequenas casas nessas localidades. Recentemente falei com um homem que vende sardinhas. Lembrou-me que deixaram de existir filas nos talhos e nas peixarias. Vendia 20 ou 30 caixas de sardinhas por dia. Agora vende menos, mas ganha mais, pois passou a transacionar os seus produtos para os grandes empreendimentos turísticos. Também o negócio do aluguer das pequenas casas sofreu grandes alterações. Uma habitação que há meia dúzia de anos era alugada por, por exemplo, 1.000 euros por semana, custa agora a mesma quantia, mas por apenas um dia ou dois”, conta.

Estados Unidos é o principal mercado

A subida dos preços pode explicar-se também pelo poderio económico dos turistas que passaram a frequentar a faixa costeira de 45 quilómetros que se estende de Troia a Melides. Se antes as bolsas mais abonadas eram as dos visitantes do Norte da Europa, agora são os norte-americanos que dominam um setor onde também se acentua o crescimento dos alemães e brasileiros.

“Antes tinha como termos de comparação a bolsa dos turistas do Norte da Europa com a dos turistas portugueses. Hoje, essa comparação económica é feita entre os norte-americanos e os do Norte da Europa, sendo que a carteira dos primeiros é bem mais forte. Sendo muito difícil apresentar qualquer valor, creio que os turistas mais abastados que se instalam no Litoral Alentejano têm capacidade para gastarem facilmente, por cabeça, 1.000 euros”, diz o responsável da Vertenbility.

Atualmente o distrito de Setúbal tem nos franceses, ingleses e alemães algumas das principais nacionalidades visitantes. Os dados referem também que se mantém estáveis os visitantes provenientes dos países do Norte da Europa, ao mesmo tempo que se acentuam as chegadas de brasileiros, suíços, italianos, angolanos, sul-africanos e, como já foi referido, de norte-americanos.

Filipe Gomes entende que cerca de 80 por cento do turismo do Litoral é atualmente destinado ao segmento económico que designa por “muito alto”. Mas, ao mesmo tempo, lembra que a atividade na região “ainda é muito sazonal”. “Em Troia, por exemplo, a taxa de ocupação anual de alguns hotéis deve rondar os 25 por cento. Isso quer dizer que é necessário criar novas atratividades. O turismo no distrito não se pode cingir aos meses de julho, agosto e um pouco de setembro”.

A atratividade de que fala o empresário passa, por exemplo, pela remodelação do atual sistema de transportes públicos. Filipe Gomes entende que o que hoje é oferecido mantém a mesma estrutura de quando foi concebido. “Hoje os transportes servem quem? Aqueles que já deixaram de vir para a região”, afirma.

“Os campos de golfe que se construíram cumpriram a sua função, atraindo uma faixa de visitantes que se sente estável na região. Há outras coisas que são muito válidas, como seja, por exemplo a oferta museológica de Grândola. Mas é preciso fazer mais. É preciso criar atrativos para que os turistas possam vir durante todo ano e preencher a oferta de camas que, no máximo, irá rondar as 16.000”, refere.