Se há coisa que me parece que tem faltado no mundo é aquilo a que costumávamos chamar bom senso, uma espécie de plataforma comum de entendimento sobre alguns valores ou princípios básicos para conseguirmos viver uns com os outros de forma mais ou menos harmoniosa. Talvez a minha educação tenha sido antiquada, mas recordo-me de como existia uma espécie de reprovação imediata do estilo de resposta “quem diz é quem é”, por ser uma lógica circular da qual é impossível sair. Talvez tenha tido a ilusão de que esta reprovação era generalizada, e de que existia o incentivo a uma prática um bocado mais adulta e civilizada, em parte com o uso da razão e, em igual parte, da sensibilidade e empatia.
No que diz respeito ao uso da razão: o pensamento lógico ajuda-nos a manter a objectividade. Em tempos de eleições, por exemplo, é fácil verificar a facilidade com que se confundem competências dos diferentes órgãos, quando se imputa às autarquias responsabilidades que são do Estado, quando se passa mais tempo a apontar o dedo, no cliché de que “todos os políticos são iguais” (embora haja uns mais iguais dos que os outros), do que a lidar com a complexidade e assumir a responsabilidade que a cada um compete na relação com o território e a comunidade. Estamos na era do eleitor-consumidor, como se os decisores políticos fossem equivalentes às empresas que se esforçam por satisfazer todos os nossos desejos, de preferência de forma imediata. Como se fosse possível introduzir meia dúzia de dados numa aplicação e encomendar, sei lá, serviços de higiene urbana para os nossos bairros com dois ou três cliques; habitação a rendas acessíveis com entrega prevista em 24h por transportadora; vagas de pré-escolar para todas as crianças ao fazermos uma subscrição anual online. Se há crítica que faço há muito tempo à nossa classe política é ao facto de, por conveniência eleitoral e tentativa de agradar às maiorias, ter investido pouco em algumas áreas que podiam ter ajudado a evitar termos chegado ao ponto a que chegámos. Cultura e educação. Não é só uma questão financeira, embora também o seja. Tem sido, sobretudo, uma falta de investimento simbólico, tirando algumas honrosas excepções, que evidentemente também as há. Agora lamentamo-nos (quase) todos, porque vemos o efeito dessa falta de investimento: não tenho grandes dúvidas de que é falta de prática no que diz respeito ao pensamento crítico e lógico, associada à credulidade que surge da ignorância, que conduz à adesão massiva à desinformação, ou à procura de correspondência entre o imediatismo do mundo digital e a realidade.
É claro que nesta fase há quem, de forma oportunista, tente aproveitar para afirmar-se, com a promessa de gerir a realidade como gere redes sociais. Os resultados desse tipo de gestão estão à vista por todo o lado, mas os seres humanos, quando atiçados, enfim, não tendem para o seu melhor. Não acredito que exista uma solução rápida para estes tempos; a realidade demora a moldar, por mais indignação que nos provoque. Nesse sentido, deixo um apelo: não repitamos os erros do passado.