Gravidez está a travar progressão de carreiras das enfermeiras

Há 18 mulheres, quatro delas a trabalharem no distrito de Setúbal, a quem não é permitido concorrer a cargos mais altos por, em 2018, terem engravidado. Foi-lhes retirado o suplemento de especialidade. Aguardam resposta do ministério, do primeiro ministro e do presidente da República.

O ministério da Saúde em Lisboa, recebeu na última sexta-feira, uma manifestação insólita. Um grupo de enfermeiras colocadas na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, entre as quais se contam quatro a desempenhar serviço em unidades de saúde margem Sul, foram reiterar protestos que iniciaram em 2018. Pretendem que lhes seja dada a possibilidade retirada há quase seis anos de progredirem na carreira por então se encontrarem grávidas.

Genericamente, as enfermeiras queixam-se de serem alvo de violação dos direitos de parentalidade. O Semmais falou com três das profissionais que exercem funções em Almada, Barreiro e Montijo/Alcochete e ficou a conhecer as histórias que as têm feito caminhar para os tribunais, para o Ministério da Saúde e para outras instituições ligadas à tutela, mas também para os gabinetes do primeiro ministro e, até, do presidente da República.

“O Estado diz que não somos especialistas e que, devido a isso, não podemos concorrer a outros cargos e progredir na carreira. Nada mais falso. Todas nós desempenhávamos as nossas especialidades e até auferíamos o subsídio correspondente, de 150 euros. No entanto, como engravidámos, fomos retiradas das listas de colocações e, apesar de andarmos há anos nesta luta, para que seja reposta a legalidade, entre avanços e recuos, entre promessas e desilusões, ainda ninguém nos conseguiu fazer justiça”, contou Carmem Borralho, atualmente a desempenhar funções no Arco Ribeirinho, em Montijo/Alcochete.

“Concorri em outubro de 2017, num concurso de âmbito nacional, com 12.500 candidatos para ocuparem 774 vagas, e fiquei em quinto lugar. Já então exercia uma especialidade e tudo levava a crer que estivesse a dar um passo em frente na carreira. No entanto, em abril ou março do ano seguinte, e uma vez que os resultados do concurso ainda não haviam sido aplicados, acabei por ser afastada. É que nessa ocasião estava com uma gravidez de risco clínico. No ano seguinte fui trabalhar para Alcochete e disseram-me para não me preocupar, que haveria de ser colocada no cargo. Até hoje continuo à espera”, disse a mesma enfermeira.

Parecida é a história de Irina Póvoa, que também engravidou, aparentemente, no momento menos oportuno. “Já recebia o subsídio de especialidade em 2018, mas em maio de 2019, quando saiu o Decreto-Lei relativo à integração, porque antes estava grávida, fui preterida. Primeiro disseram que não tinha direito. Depois afirmaram que as quotas não eram suficientes para todas. Mais tarde mandaram-me aguardar por um despacho do Ministério da Saúde. Até hoje continuo sem poder concorrer ao cargo de gestora, apesar de ter a especialidade, conforme o comprova o pagamento do respetivo subsídio. Estou impedida de progredir na carreira, tal como diversas outras colegas. Sei que algumas até já tentaram ir aos concursos, mas acabaram excluídas”, partilhou.

As histórias relatadas por Carmem Borralho e Irina Póvoa são quase uma cópia da que contou ao nosso jornal Daniela Santos, atualmente a trabalhar em Almada. “Em 2015 já estava na ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Já exercia especialidade e dois anos mais tarde concorri. Em julho do ano seguinte entrei em licença parental, que se prolongou até novembro. Quando tomei posse em fevereiro de 2019, constatei que todas as restantes colegas haviam passado para a categoria de enfermeiras especialistas. No meu caso, porque engravidei, não fui abrangida. Agora, entre outras coisas, dizem que as quotas estão preenchidas”, afirmou.

Gémeas separadas apenas pela gravidez

O grupo de enfermeiras que se dizem descriminadas entregou, na passada sexta-feira, mais um pedido para que a situação seja corrigida. Exigem, para além do acesso à possibilidade de concorrerem a posições cimeiras da profissão, que lhes sejam também restituídos os suplementos de especialidade que antes de engravidarem lhes eram pagos.

O suplemento em causa era de 150 euros mensais e, segundo referem, ninguém irá abdicar do mesmo. “Houve uma ocasião, quando Marta Temido era a ministra da Saúde, que tudo parecia encaminhado para se resolver. A razão já nos havia sido reconhecida, tanto pelo ministério como por juristas contactados. Mas a verdade é que depois tudo parece ter parado e ninguém faz o ponto da situação. É bom que as pessoas saibam que, devido a esta situação caricata, algumas enfermeiras já acionaram processos em tribunal e que outras, onde me incluo, até têm passado por problemas de saúde complicados, nomeadamente depressões”, disse uma das contactadas.

Carmem Borralho refere, por sua vez, que toda a situação é “uma teia urdida de não decisões”: “As pessoas andam a empurrar com a barriga. Ninguém consegue explicar os motivos desta descriminação. Há um caso que é bem elucidativo: Duas gémeas, ambas enfermeiras, iniciaram todo o processo de especialidade em simultâneo e a ambas foi atribuída a passagem. Uma avançou. A outra, porque engravidou, continua envolvida nesta situação”.

O Semmais contactou igualmente o Ministério da Saúde, tendo sido informado que existe conhecimento das reclamações do grupo de enfermeiras e que as mesmas estão a ser apreciadas.