Acentuar o que vale a pena

Tinha dez anos de idade quando os militaresliderados por um grupo de capitães politicamente esclarecidos e opositores ao sistema que mantinha Portugal numa guerra injusta e um país pobre, doente e ostracizado internacionalmente fizeram eclodir a Revolução de Abril de 1974.

Nessa manhã de Aurora, festejei, sem saber porquês, não haver aulas. Fui portador da notícia para a família. Não registei euforias e só com o assentar da poeira pude saber das razões. Afi nal, tinha dois irmãos no serviço militar e todas as preocupações a eles se dirigiam.

A partir desse dia pude testemunhar todas as vivências que o período revolucionário trouxe ao país, sobretudo no chamado ‘verão quente’ de 75, com largas tensões entre sentidos ideologicamente (sim nessa altura havia ideologia e causas) opostos e uma nação mergulhada numa certa anarquia, à procura de rumo.

Mas os ventos de mudança estavam predestinados e conduziram o país, mesmo com erros, avanços e recuos, crispação e lutas, à corrida da democracia, que acrescentou valor à liberdade conquistada logo nos primeiros dias da Revolução dos Cravos. Seguiu-se a descolonização e, só mais tarde, cumpriu-se o terceiro ‘D’ de Abril, o desenvolvimento.

Passaram, entretanto, 50 anos. Portugal cresceu, modernizou e ganhou escala na cena internacional, com índices que o colocam entre os mais desenvolvidos. Não sem dor, crises, sacrifícios e até, em determinados períodos, desvios e injustiças sociais.

Perante estes tempos de agora, em que se vislumbram fantasmas do passado, vozes retrógradas sem medos, ataques ao sistema democrático, à justiça social, às liberdades de escolha a caminho de uma igualdade sem mácula, é imperioso estar alerta, revigorando os valores que a Revolução ajudou a maturar.

Mesmo passado meio século sobre a heroica jornada que nos trouxe o país de volta, há muito ainda a fazer para cumprir os desígnios do futuro, sendo que a melhor homenagem a prestar a esses homens e mulheres ‘abrilistas’ será sempre pugnar para que a liberdade e a democracia continuem a frutifi car na nossa sociedade, sobretudo junto das gerações atuais e futuras.