APA dá luz verde ao novo aeroporto, ambientalistas querem travar a decisão

A Declaração de Impacte Ambiental final que viabiliza o novo aeroporto no Montijo foi emitida, ontem, pela APA. Oito organizações ambientalistas disseram de imediato que vão recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para travar o processo. A Plataforma Cívica fala em ilegalidades e atropelos à lei.

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O projeto do novo aeroporto no Montijo recebeu da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a decisão final favorável condicionada em sede de Declaração de Impacte Ambiental (DIA), anunciou a APA nos últimos minutos desta terça-feira.

A decisão mantém cerca de 160 medidas de minimização e compensação a que a ANA – Aeroportos de Portugal “terá de dar cumprimento”, as quais ascendem a cerca de 48 milhões de euros, diz a agência num comunicado, onde se lê que as normas relacionadas com a avifauna, ruído, mobilidade e alterações climáticas “permitem minimizar e compensar os impactes ambientais negativos do projeto, as quais serão detalhadas na fase de projeto de execução”.

Responsável pela Avaliação de Impacte Ambiental, a APA esclarece que no caso dos impactes sobre a avifauna será constituída uma “sociedade veículo” – suportada nos mecanismos financeiros previstos no quadro da DIA – pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que terá como funções “a implementação de atividades diretamente conexas com a proteção e conservação das aves selvagens, devendo para tal desenvolver um plano de ação para a implementação das medidas de compensação”.

Já a ANA tem de assegurar o suporte financeiro para a implementação das medidas de compensação por parte da nova entidade a criar “para as atividades diretamente conexas com a proteção e conservação das aves selvagens”, através do pagamento de 7,2 milhões de euros, montante complementado com uma taxa de 4,5 euros “por movimento aéreo”, explica a APA.

Acrescenta que o plano de ação da nova sociedade a criar pelo ICNF deve integrar, entre outras, “a aquisição de salinas numa área total, no mínimo igual à área sujeita a perturbação forte, ou seja 1.467 hectares”, a aquisição de terrenos ou aplicação de medidas compensatórias por perda de produtividade nos campos agrícolas na Lezíria do Tejo e um plano de monitorização da eficácia das medidas de compensação para a avifauna”.

No que respeita ao ruído, as medidas a assumir pela ANA têm um valor estimado entre os 15 a 20 milhões de euros e nestas destaca-se a “proibição do tráfego aéreo entre as 00h00 e as 06h00, a adoção de procedimentos de aterragem e descolagem menos ruidosos e que evitem ou minimizem o impacte sobre as áreas mais sensíveis, ou a apresentação de um Programa de Reforço do Condicionamento Acústico de Edifícios afetados na área delimitada”.

No campo da mobilidade, a entidade responsável pelo futuro aeroporto “terá de cumprir medidas de reestruturação e aumento da oferta de transporte fluvial entre as duas margens do Tejo, desde logo em resposta ao aumento de procura perspetivado, disponibilizando verbas para a aquisição de dois navios de propulsão elétrica a alocar em exclusividade ao transporte entre o Cais do Seixalinho e Lisboa”.

A ANA terá ainda de garantir “um serviço tecnologicamente evoluído e eficiente no ‘shuttle’ rodoviário entre o novo aeroporto do Montijo e o Cais do Seixalinho, tendo por base veículos de emissões muito baixas ou nulas, por exemplo, veículos elétricos ou a hidrogénio, uma solução tecnológica idêntica à que terá de estudar para criar serviços rápidos de autocarros entre a infraestrutura aeroportuária, a Gare do Oriente e a estação ferroviária do Pinhal Novo”.

Nas medidas relacionadas com as adaptações às alterações climáticas, a APA refere ter sido “reconhecido como aspeto relevante a subida do nível médio das águas do mar no médio e longo prazos, até 2100, facto que se traduziu na cota altimétrica da pista de mais cinco metros acima daquele nível”.

Sobre as emissões de gases com efeito de estufa, a ANA está “obrigada a elaborar um plano de redução de emissões daqueles gases, de consumos primários, de resíduos e de consumos energéticos, a implementar durante a exploração da infraestrutura”

Organizações ambientalistas falam em violação de leis e diretivas europeias

As organizações ambientalistas Almargem, ANP/WWF, A Rocha, GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e Zero reagiram de imediato à DIA e, em comunicado conjunto, afirmaram que vão recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para travar o aeroporto no Montijo, por considerarem “ir contra as leis nacionais, as diretivas europeias e os tratados internacionais”.

Para as organizações todo o processo, considerado estratégico para o país, “tem forçosamente que ser apreciado no contexto de uma avaliação ambiental estratégica” em que sejam ponderadas todas as opções possíveis. “A construção de um novo aeroporto não pode ser decidida como um projeto avulso, desenquadrado dos instrumentos de planeamento estratégico aos quais o país está vinculado, e tem de ter como base o conhecimento mais completo e atual de todas as componentes (climática, ecológica, social, económica, etc.)”, salientam.

Na opinião das associações, na DIA ficam várias respostas por dar, como por exemplo sobre cenários de crescimento do turismo, sobre alternativas ao transporte aéreo (como o comboio, menos poluidor) ou sobre as alternativas ao Montijo. Questões que teriam resposta com uma avaliação ambiental estratégica, que contemplasse também a expansão do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.

No entender dos ambientalistas, o Estudo de Impacto Ambiental do novo aeroporto “tem insuficiências graves” porque não avalia corretamente o impacto ambiental do projeto e estabelece medidas desadequadas de compensação e mitigação.

“Não se considera devidamente os impactos sobre os valores naturais, nem os impactos para a saúde pública ou para a qualidade de vida das populações, e não foi considerada a questão das alterações climáticas e as emissões de gases com efeito de estufa, que o Governo quer reduzir, nem a segurança de pessoas e bens”.

Para estas entidades, o Governo tem falhado nas obrigações de proteger as espécies e habitats da zona húmida mais importante do país, classificada como Reserva Natural e como Rede Natura 2000. Com tudo isto, destacam, “o valor da compensação financeira proposta não tem qualquer fundamento quanto à valorização do que se perde, nem qualquer fundamento quanto à eficácia na resolução de um problema real”.

“Dado que o Governo não deu importância a estas e outras preocupações graves levantadas por inúmeras entidades durante o processo de consulta pública, as organizações de ambiente não vêem outra alternativa que não seja pô-las à consideração do sistema judicial e das autoridades europeias”, lê-se no comunicado.

Também para a Plataforma Cívica Aeroporto BA6-Montijo Não! a DIA é “mais uma peça num processo com ilegalidades e atropelos às leis nacionais e convenções internacionais”. “Esta DIA não constitui uma surpresa a partir do momento em que o Governo, em fevereiro de 2017, decidiu alterar o contrato de concessão sem dar conhecimento aos portugueses, através de um memorando de entendimento com a concessionária, que é, até hoje, desconhecido dos portugueses”, disse à Lusa José Encarnação, da Plataforma Cívica.

A mesma fonte acusa o Governo e a APA de colocarem os “interesses da ANA/VINCI acima dos interesses das populações”. “Surpresa teria sido um desfecho diferente daquele que está anunciado. Mas trata-se de uma má decisão para as populações dos concelhos de Alcochete, Barreiro, Moita e Montijo, do ponto de vista da saúde, do ruído e da poluição atmosférica”, afirmou José Encarnação, reiterando que a Plataforma Cívica, depois de avaliar melhor o documento da APA, “vai recorrer a todos os meios legais, incluindo a via judicial, nas instâncias nacionais e internacionais, para tentar anular o que considera ser uma má decisão para o país”.

Recorde-se que 8 de janeiro de 2019, a ANA e o Estado assinaram o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, com um investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para aumentar o atual infraestrutura e transformar a base aérea do Montijo num novo aeroporto.

O novo aeroporto do Montijo poderá ter os primeiros trabalhos no terreno já este ano. Resta agora ao Governo e à ANA concluírem as negociações.