Vai a Senhora da Boa Viagem ao encontro da Nossa Senhora d’Aires. Uma festa de cariz religioso e pagão que junta milhares de pessoas e revitaliza a economia das vilas.
Quem olha para a caravana e não conhece, pensa que se trata de uma recriação histórica. São quatro dias em que centenas de homens, montados a cavalo ou em charretes, atravessam a antiga Canada Real, também conhecida por Estrada dos Espanhóis, ao longo dos cerca de 150 quilómetros de caminhos de terra batida que unem a estremenha Moita à alentejana Viana do Alentejo. Uma romaria de vincado fervor religioso que também se transforma num momento de grande confraternização e numa soberba oportunidade de negócio.
Na noite de 21 de abril, um dia antes da caravana se por a caminho, já as ruas da Moita estarão pejadas de gente vinda de todo o país e até do estrangeiro. São pessoas que vêm adorar e agradecer as graças à Senhora da Boa Viagem, sobretudo agricultores, mas também muitos criadores de animais, principalmente de cavalos, que encontram neste evento de origem religiosa uma oportunidade única de promoverem os seus negócios.
O presidente da Câmara Municipal da Moita, Rui Manuel Marques, realçou ao Semmais Digital a importância de uma tradição reatada nos últimos 20 anos, depois de iniciada nas primeiras décadas do século passado e caída em desuso durante mais de 70 anos. “É um evento que traz muita gente à vila. Aqui e a Viana do Alentejo. Dentro do género é, certamente, o maior que se realiza em Portugal e isso tem, evidentemente, vantagens para as povoações. Só na Moita, entre participantes e acompanhantes, deverão juntar-se cerca de 2.000 pessoas”, diz.
O comércio local, como é de calcular, agradece este já habitual fluxo de forasteiros. É que, de acordo com o presidente da câmara, são centenas as pessoas, em representação de clubes, associações ou confrarias, que demandam a vila e contribuem decisivamente para a valorização da hotelaria e restauração locais.
Quem também vê na romaria uma grande oportunidade de promoção turística e comercial é o presidente da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, Bengalinha Pinto. “Toda a economia local mexe, desde o alojamento à restauração. Vem tanta gente que muitos têm de procurar dormida noutros concelhos. Há muita gente que fica alojada em Évora, por exemplo”, afirmou o autarca alentejano.
Evento enche as ruas de Viana e das localidades por onde passa
“É um momento de grande impacto. As ruas de Viana do Alentejo enchem-se de pessoas que querem ver passar os romeiros (que se deslocam até ao Santuário de Nossa Senhora d’Aires, a dois quilómetros da sede do concelho, e onde termina a grande marcha). Um evento religioso, mas também pagão, desta dimensão não valoriza apenas as vilas de partida e chegada, pois localidades como o Poceirão, Casebres ou Alcáçovas, por onde passam ou pernoitam os romeiros, têm também proveitos económicos”, lembrou Bengalinha Pinto.
Viana do Alentejo, por ser o local de destino dos romeiros, acaba por ser a localidade mais beneficiada e, por conseguinte, aquela que mais iniciativas tem nos dias do evento. “Sabemos que vem muita gente de todo o país e do estrangeiro, por isso temos tendas montadas na zona do Santuário, onde funcionam dois restaurantes e um palco. Este ano a grande atração musical é o grupo ‘Ciganos d’Ouro’. Por outro lado, para promovermos a vila, realizamos também um concurso onde são enfeitadas portas e janelas. Há uma imensa variedade de coisas para ver e que visam promover a nossa terra, seja de modo cultural, arquitetónico e histórico, seja através da gastronomia e costumes locais”, acrescentou o autarca.
Custos? “São umas dezenas de milhares de euros”, refere o presidente da Câmara de Viana do Alentejo, salientando, no entanto, que o investimento compensa, pois “os que vêm uma vez acabam sempre por regressar e revitalizar a economia”. Além disso, a grande romaria a cavalo é um evento apoiado pela Entidade Regional de Turismo e por bancos.
A grande caravana, composta por cavaleiros e carros, junta-se pela manhã do dia 22 em frente à igreja da Moita. É aí que se realizam as primeiras cerimónias religiosas e que se coloca a imagem da Senhora da Boa Viagem no veículo andor que há de abrir o desfile. Depois, com solenidade, perante uma multidão que não quer perder a oportunidade de ver o singular cortejo, romeiros e animais põem-se em marcha.
A Canada Real, que também é conhecida por Estrada dos Espanhóis e que terá sido uma importante via romana que outrora ligava a vila da margem Sul do Tejo a Mérida, é composta por cerca de 150 quilómetros de caminhos de terra batida. Muitas vezes é necessário atravessar herdades privadas. Essa tarefa, a de obter as necessárias autorizações de passagem, está a cargo da Associação de Romeiros da Tradição Moitense, outra das entidades envolvidas na organização do evento. Segundo disse ao Semmais Digital o presidente desta instituição, Miguel Almeida, esta é apenas uma das muitas tarefas a desenvolver: “É preciso garantir os apoios veterinários, as autorizações para utilização de caminhos particulares, garantir os banhos, etc. É uma operação logística de grande dimensão”.
Ao quarto dia a caravana chega a Viana do Alentejo. As cerimónias religiosas ganham novo protagonismo, com muita gente a saudar a santa que vem da Moita e dar graças às bênção que a santa local concede aos animais e às lides agrícolas. Depois, com o cair da noite, é altura de comer e beber, que na manhã de domingo os cavalos e carroças hão de ser carregados em reboques próprios e rumarem às terras de origem. Não que sem antes, e para quem queira assistir, se realize uma nova cerimónia religiosa. Nessa altura, segundo diz o presidente da Associação de Romeiros da Tradição Moitense, já começarão a ser alinhavados os contornos do evento de 2021.